III Consenso Brasileiro de Hipertensão Arterial
Capítulo 3


Tratamento Não-Medicamentoso ou Modificações do Estilo de Vida

O tratamento não-medicamentoso tem, como principal objetivo, diminuir a morbidade e a mortalidade cardiovasculares por meio de modificações do estilo de vida que favoreçam a redução da pressão arterial.

Está indicado a todos os hipertensos e aos indivíduos mesmo que normotensos, mas de alto risco cardiovascular. Dentre essas modificações, as que comprovadamente reduzem a pressão arterial são: redução do peso corporal, da ingestão do sal e do consumo de bebidas alcoólicas, prática de exercícios físicos com regularidade, e a não-utilização de drogas que elevam a pressão arterial. As razões que tornam as modificações do estilo de vida úteis são:

— baixo custo e risco mínimo;
— redução da pressão arterial, favorecendo o controle de outros fatores de risco;
— aumento da eficácia do tratamento medicamentoso; e
— redução do risco cardiovascular.

Redução do Peso Corporal

O excesso de peso corporal tem forte correlação com o aumento da pressão arterial. O aumento do peso é um fator predisponente para a hipertensão. Todos os hipertensos com excesso de peso devem ser incluídos em programas de redução de peso de modo a alcançar Índice de Massa Corpórea (IMC) inferior a 25 kg/m² e Relação Cintura-Quadril (RCQ) inferior a 0,8 para as mulheres e a 0,9 para os homens, em razão de sua associação com risco cardiovascular aumentado.

As recomendações genéricas para a redução do peso corporal compreendem:

— princípios dietéticos; e
— programas de atividade física.

Os princípios da terapia dietética estão apresentados no Quadro 8.

Quadro 8. Princípios gerais da terapia dietética.

Respeitar dieta hipocalórica balanceada, evitando o jejum ou as dietas "milagrosas"

Manter o consumo diário de colesterol inferior a 300 mg (o consumo de gorduras saturadas não deve ultrapassar 10% do total de gorduras ingeridas)

Substituir gorduras animais por óleos vegetais (mono e poliinsaturados)

Reduzir o consumo de sal a menos de 6 g/dia (1 colher de chá)

Evitar açúcar e doces

Preferir ervas, especiarias e limão para temperar os alimentos

Ingerir alimentos cozidos, assados, grelhados, ou refogados

Utilizar alimentos fonte de fibras (grãos, frutas, cereais integrais, hortaliças e legumes, preferencialmente crus)

Para a manutenção do peso desejável a longo prazo, é necessária a adequação dietética individualizada, com particular atenção aos aspectos socioeconômicos e culturais e à motivação dos pacientes.

Redução na Ingestão de Sal/Sódio

O sal (cloreto de sódio — NaCl) há muito tempo tem sido considerado importante fator no desenvolvimento e na intensidade da hipertensão arterial. Hoje em dia, a literatura mundial é praticamente unânime em considerar a forte correlação entre a ingestão excessiva de sal e a elevação da pressão arterial. No âmbito populacional, a ingestão de sal parece ser um dos fatores envolvidos no aumento progressivo da pressão arterial que acontece com o envelhecimento. A hipertensão arterial é observada primariamente em comunidades com ingestão de sal superior a 100 mEq/dia. Por outro lado, a hipertensão arterial é rara em populações cuja ingestão de sal é inferior a 50 mEq/dia. Essa constatação parece ser independente de outros fatores de risco para hipertensão arterial, tais como obesidade e alcoolismo.

Além da redução da pressão arterial, alguns estudos demonstraram também benefícios da restrição salina na redução da mortalidade por acidente vascular encefálico e na regressão da hipertrofia ventricular esquerda. A restrição salina pode ainda reduzir a excreção urinária de cálcio, contribuindo para a prevenção da osteoporose em idosos.

Dessa forma, a restrição de sal na dieta é uma medida recomendada não apenas para hipertensos, mas para a população de modo geral. Tal orientação deve objetivar ingestão em torno de 100 mEq/dia (6 g de sal = 1 colher de chá). Do ponto de vista prático, deve-se evitar a ingestão de alimentos processados industrialmente, tais como enlatados, conservas, embutidos e defumados. Deve-se ainda orientar os pacientes a utilizar o mínimo de sal no preparo dos alimentos, além de evitar o uso de saleiro à mesa, durante as refeições.

O uso de substitutos de sal contendo cloreto de potássio em substituição ao NaCl pode ser recomendado aos pacientes, embora alguns tenham a palatabilidade como fator limitante.

Quadro 9. Fontes de maior teor de sódio.

Sal de cozinha (NaCl) e temperos industrializados

Alimentos industrializados ("ketchup", mostarda, shoyu, caldos concentrados)

Embutidos (salsicha, mortadela, lingüiça, presunto, salame, paio)

Conservas (picles, azeitona, aspargo, palmito)

Enlatados (extrato de tomate, milho, ervilha)

Bacalhau, charque, carne seca, defumados

Aditivos (glutamato monossódico) utilizados em alguns condimentos e sopas de pacote

Queijos em geral

Para que o efeito hipotensor máximo da restrição salina se manifeste, é necessário intervalo de pelo menos 8 semanas. É importante salientar que os pacientes deverão ser orientados para a leitura dos rótulos dos alimentos industrializados, a fim de observar a presença e a quantidade de sódio contidas nos mesmos.

Aumento da Ingestão de Potássio

A ingestão do potássio pode ser aumentada pela escolha de alimentos pobres em sódio e ricos em potássio (feijões, ervilha, vegetais de cor verde-escuro, banana, melão, cenoura, beterraba, frutas secas, tomate, batata inglesa e laranja).

Essa indicação se justifica pela possibilidade de o potássio exercer efeito anti-hipertensivo, ter ação protetora contra danos cardiovasculares, e servir como medida auxiliar em pacientes submetidos a terapia com diuréticos, desde que não existam contra-indicações.

Deve-se ter cautela no uso de suplemento medicamentoso à base de potássio em pacientes suscetíveis a hiperpotassemia, incluindo aqueles com insuficiência renal, ou em uso de inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA), ou bloqueadores de receptores da angiotensina II.

O uso de substitutos do sal contendo cloreto de potássio em substituição ao NaCl pode ser recomendado aos pacientes como uma forma de suplementação de potássio, embora alguns deles tenham a palatabilidade como fator limitante. O emprego desses substitutos de sal em pacientes hipertensos com diminuição da função renal, especialmente se diabéticos e em uso de inibidores da ECA, deve ser cauteloso devido ao risco de hiperpotassemia.

Redução do Consumo de Bebidas Alcoólicas

O consumo excessivo de álcool eleva a pressão arterial e a variabilidade pressórica, aumenta a prevalência de hipertensão, é fator de risco para acidente vascular encefálico, além de ser uma das causas de resistência à terapêutica anti-hipertensiva.

Para os hipertensos do sexo masculino que fazem uso de bebida alcoólica, é aconselhável que o consumo não ultrapasse 30 ml de etanol/dia, contidos em 60 ml de bebidas destiladas (uísque, vodca, aguardente, etc.), 240 ml de vinho, ou 720 ml de cerveja. Em relação às mulheres e indivíduos de baixo peso, a ingestão alcoólica não deve ultrapassar 15 ml de etanol/dia. Aos pacientes que não conseguem se enquadrar nesses limites de consumo, sugere-se o abandono do consumo de bebidas alcoólicas.

Exercício Físico Regular

O exercício físico regular reduz a pressão arterial, além de produzir benefícios adicionais, tais como diminuição do peso corporal e ação coadjuvante no tratamento das dislipidemias, da resistência à insulina, do abandono do tabagismo e do controle do estresse. Contribui, ainda, para a redução do risco de indivíduos normotensos desenvolverem hipertensão.

Exercícios físicos, tais como caminhada, ciclismo, natação e corrida, realizados numa intensidade entre 50% e 70% da freqüência cardíaca de reserva (vide fórmula a seguir), ou entre 50% e 70% do consumo máximo de oxigênio, com duração de 30 a 45 minutos, três a cinco vezes por semana, reduzem a pressão arterial de indivíduos hipertensos. Em contrapartida, exercícios físicos muito intensos, realizados acima de 80% da freqüência cardíaca de reserva, ou 80% acima do consumo máximo de oxigênio, têm pouco efeito sobre a pressão arterial de hipertensos.

Quadro 10. Cálculo da freqüência cardíaca de exercício.

Freqüência cardíaca de exercício = (FC máxima - FC basal) (% intensidade) + FC basal

onde FC máxima = 220 - idade em anos

Adicionalmente, baixo nível de capacitação física está associado a maior risco de óbito por doenças coronariana e cardiovascular em homens sadios, independentemente dos fatores de risco convencionais.

Exercícios isométricos, como levantamento de peso, não são recomendáveis para indivíduos hipertensos. Pacientes em uso de medicamentos anti-hipertensivos que interferem na freqüência cardíaca (como, por exemplo, betabloqueadores) devem ser previamente submetidos a avaliação médica.

Abandono do Tabagismo

O tabagismo é a mais importante causa modificável de morte, sendo responsável por 1 em cada 6 óbitos. No Brasil, a prevalência do tabagismo é elevada. Em 1989, existiam 30.6 milhões de fumantes na população com idade superior a 5 anos, correspondendo a 23,9% da população dessa faixa etária, o que demonstra a relevância do problema em nosso país.

Ainda que a pressão arterial e a freqüência cardíaca se elevem durante o ato de fumar, o uso prolongado de nicotina não se associa a maior prevalência de hipertensão. Além do risco aumentado para a doença coronariana associada ao tabagismo, indivíduos que fumam mais de uma carteira de cigarros ao dia têm risco 5 vezes maior de morte súbita do que indivíduos não-fumantes. Adicionalmente, o tabagismo colabora para o efeito adverso da terapêutica de redução dos lípides séricos e induz resistência ao efeito de drogas anti-hipertensivas.

Dentre outras medidas, o tabagismo deve ser combatido por colaborar com o risco de câncer e de doenças pulmonares, e por constituir risco para doença coronariana, acidente vascular encefálico e morte súbita. Para tanto, é essencial o aconselhamento médico precoce, repetido e consistente até o abandono definitivo.

Controle das Dislipidemias e do Diabete Melito

A associação de dislipidemia e diabete melito com hipertensão é sabidamente deletéria, mesmo que essa associação não afete, necessariamente, os níveis da pressão arterial. A restrição de alimentos ricos em colesterol e gorduras, além dos açúcares simples, atua sobre os fatores de risco convencionais e auxilia no controle do peso corporal. No Quadro 11 estão apresentadas algumas das medidas utilizadas para o combate da dislipidemia.

Quadro 11. Medidas para o combate da dislipidemia.

Aumentar o conteúdo de fibras da dieta

Substituir os carboidratos simples (açúcar, mel e doces) pelos complexos (massas, cereais, frutas, grãos, raízes e legumes)

Restringir bebidas alcoólicas

Aumentar a atividade física

Abandonar o tabagismo

Reduzir a ingestão de gorduras saturadas, utilizando preferencialmente gorduras mono e poliinsaturadas na dieta

Os Quadros 12 e 13 apresentam as principais fontes alimentares de triglicerídeos, colesterol e gordura saturada.

Quadro 12. Alimentos que provocam aumento dos triglicerídeos.

Todos os alimentos e bebidas preparados com açúcar

Mel e derivados

Cana de açúcar, garapa, melado e rapadura

Bebidas alcoólicas

Todos os alimentos ricos em gordura

Quadro 13. Alimentos ricos em colesterol e/ou gorduras saturadas.

Porco (banha, carne, "bacon", torresmo)

Leite integral, creme de leite, nata, manteiga

Lingüiça, salame, mortadela, presunto, salsicha, sardinha

Frituras com qualquer tipo de gordura

Frutos do mar ( camarão, mexilhão, ostras)

Miúdos (coração, moela, fígado, miolos, rim)

Pele de frango, couro de peixe

Dobradinha, caldo de mocotó

Gema de ovo e suas preparações

Carne de gado com gordura visível

Óleo, leite e polpa de coco

Azeite de dendê

Castanhas, amendoim

Chocolate e derivados

Sorvetes

Suplementação de Cálcio e Magnésio

Não se recomenda a suplementação medicamentosa de cálcio ou magnésio para redução da pressão arterial, exceto na deficiência destes, embora a manutenção de ingestão adequada de cálcio seja uma medida recomendável na prevenção da osteoporose.

Medidas Antiestresse

Há evidências de possíveis efeitos do estresse psicossocial na pressão arterial relacionadas a "condições estressantes", tais como pobreza, insatisfação social, baixo nível educacional, desemprego, inatividade física e, em especial, aquelas atividades profissionais caracterizadas por altas demandas psicológicas e baixo controle dessas situações.

Mesmo assim, o papel do tratamento antiestresse e o uso de técnicas que visam a modificações de respostas comportamentais no tratamento de pacientes hipertensos ainda não estão definidos.

Técnicas de relaxamento, tais como ioga, "biofeedback", meditação transcendental, "tai chi chuan" e psicoterapia, não são superiores a técnicas fictícias ("sham") ou a automonitorização.

Evitar Drogas que Podem Elevar a Pressão Arterial

No Quadro 14 estão apresentadas várias drogas que podem ter efeitos hipertensivos, devendo ser evitadas ou descontinuadas.

Quadro 14. Drogas que podem elevar a pressão arterial.

Anticoncepcionais orais
Antiinflamatórios não-esteróides
Anti-histamínicos descongestionantes
Antidepressivos tricíclicos
Corticosteróides, esteróides anabolizantes
Vasoconstritores nasais
Carbenoxolona
Ciclosporina
Inibidores da monoaminoxidase (IMAO)
Chumbo, cádmio, tálio
Alcalóides derivados do "ergot"
Moderadores do apetite
Hormônios tireoideanos (altas doses)
Antiácidos ricos em sódio
Eritropoetina
Cocaína
Cafeína (?)

Considerações Gerais sobre o Tratamento Não-Medicamentoso

Torna-se evidente que quase todas as medidas não-medicamentosas dependem de mudanças no estilo de vida de forma permanente. Em razão de a abordagem do hipertenso ser direcionada a diversos objetivos, a ação médica é beneficiada com a abordagem multiprofissional.

Vale ressaltar que é de fundamental importância o envolvimento dos familiares do hipertenso na busca das metas a serem atingidas pelas modificações do estilo de vida. O Quadro 15 apresenta uma análise crítica da eficácia das medidas não-medicamentosas discutidas neste capítulo.

Quadro 15. Medidas não-medicamentosas para o controle da hipertensão e dos fatores de risco cardiovascular.

Medidas com maior eficácia anti-hipertensiva
Redução do peso corporal
Redução da ingestão de sódio
Maior ingestão de alimentos ricos em potássio
Redução do consumo de bebidas alcoólicas
Exercícios físicos regulares

Medidas sem avaliação definitiva
Suplementação de cálcio e magnésio
Dietas vegetarianas ricas em fibras
Medidas antiestresse

Medidas associadas
Abandono do tabagismo
Controle das dislipidemias
Controle do diabete melito
Evitar drogas que potencialmente elevem a pressão