III Consenso Brasileiro de Hipertensão Arterial

Capítulo 1


Diagnóstico e Classificação
O diagnóstico da hipertensão arterial é basicamente estabelecido pelo encontro de níveis tensionais permanentemente elevados acima dos limites de normalidade, quando a pressão arterial é determinada por meio de métodos e condições apropriados. Portanto, a medida da pressão arterial é o elemento-chave para o estabelecimento do diagnóstico da hipertensão arterial.

Medida Indireta da Pressão Arterial
A medida da pressão arterial, pela sua importância, deve ser estimulada e realizada, em toda avaliação de saúde, por médicos de todas as especialidades e demais profissionais da área de saúde.

O esfigmomanômetro de coluna de mercúrio é o ideal para essas medidas. Os aparelhos do tipo aneróide, quando usados, devem ser periodicamente testados e devidamente calibrados. A medida da pressão arterial deve ser realizada na posição sentada, de acordo com o procedimento descrito a seguir:

1) Explicar o procedimento ao paciente.

2) Certificar-se de que o paciente:
— não está com a bexiga cheia;
— não praticou exercícios físicos;
— não ingeriu bebidas alcoólicas, café, alimentos, ou fumou até 30 minutos antes da medida.

3) Deixar o paciente descansar por 5 a 10 minutos em ambiente calmo, com temperatura agradável.

4) Localizar a artéria braquial por palpação.

5) Colocar o manguito firmemente cerca de 2 cm a 3 cm acima da fossa antecubital, centralizando a bolsa de borracha sobre a artéria braquial. A largura da bolsa de borracha do manguito deve corresponder a 40% da circunferência do braço e seu comprimento, envolver pelo menos 80% do braço. Assim, a largura do manguito a ser utilizado estará na dependência da circunferência do braço do paciente (Tabela I).

6) Manter o braço do paciente na altura do coração.

7) Posicionar os olhos no mesmo nível da coluna de mercúrio ou do mostrador do manômetro aneróide.

8) Palpar o pulso radial e inflar o manguito até seu desaparecimento, para a estimativa do nível da pressão sistólica, desinflar rapidamente e aguardar de 15 a 30 segundos antes de inflar novamente.

9) Colocar o estetoscópio nos ouvidos, com a curvatura voltada para a frente.

10) Posicionar a campânula do estetoscópio suavemente sobre a artéria braquial, na fossa antecubital, evitando compressão excessiva.

11) Solicitar ao paciente que não fale durante o procedimento de medição.

12) Inflar rapidamente, de 10 mmHg em 10 mmHg, até o nível estimado da pressão arterial.

13) Proceder à deflação, com velocidade constante inicial de 2 mmHg a 4 mmHg por segundo, evitando congestão venosa e desconforto para o paciente.

14) Determinar a pressão sistólica no momento do aparecimento do primeiro som (fase I de Korotkoff), que se intensifica com o aumento da velocidade de deflação.

15) Determinar a pressão diastólica no desaparecimento do som (fase V de Korotkoff), exceto em condições especiais. Auscultar cerca de 20 mmHg a 30 mmHg abaixo do último som para confirmar seu desaparecimento e depois proceder à deflação rápida e completa. Quando os batimentos persistirem até o nível zero, determinar a pressão diastólica no abafamento dos sons (fase IV de Korotkoff).

16) Registrar os valores das pressões sistólica e diastólica, complementando com a posição do paciente, o tamanho do manguito e o braço em que foi feita a mensuração. Deverá ser registrado sempre o valor da pressão obtido na escala do manômetro, que varia de 2 mmHg em 2 mmHg, evitando-se arredondamentos e valores de pressão terminados em "5".

17) Esperar 1 a 2 minutos antes de realizar novas medidas.

18 ) O paciente deve ser informado sobre os valores da pressão arterial e a possível necessidade de acompanhamento.

A Tabela I apresenta os diferentes tamanhos de manguito, de acordo com a circunferência do braço.

Tabela I. Dimensões recomendadas da bolsa inflável do manguito ("American Heart Association").

Circunferência do braço (cm) Denominação do manguito Largura  da bolsa (cm) Comprimento da bolsa (cm)
5-7,5 Recém-nascido 3 5
7,5-13 Lactente 5 8
13-20 Criança 8 13
17-24 Adulto magro 11 17
24-32 Adulto 13 24
32-42 Adulto obeso 17 32
42-50 Coxa 20 42

Para a medida da pressão arterial na coxa, o procedimento é o seguinte:

1) Utilizar manguito de tamanho adequado, colocado no terço inferior da coxa.

2) Colocar o paciente em decúbito ventral.

3) Realizar a ausculta na artéria poplítea.

Na medida da pressão arterial na posição ereta, o braço deve ser mantido na altura do coração, com apoio. Na presença de fibrilação atrial, pela dificuldade de determinação da pressão arterial, deverão ser considerados os valores aproximados. Nos indivíduos idosos, portadores de disautonomia, alcoólatras e/ou em uso de medicação anti-hipertensiva, a pressão arterial deve ser medida também na posição ortostática.

Em cada consulta, deverão ser realizadas no mínimo duas medidas, com intervalo de 1 a 2 minutos entre elas; caso as pressões diastólicas obtidas apresentem diferenças superiores a 5 mmHg, sugere-se que sejam realizadas novas aferições, até que seja obtida medida com diferença inferior a esse valor. De acordo com a situação clínica presente, recomenda-se que as medidas sejam repetidas em pelo menos duas ou mais visitas. As medições na primeira avaliação devem ser obtidas em ambos os membros superiores. As posições recomendadas na rotina para a medida da pressão arterial são sentada e/ou deitada.

Medida Domiciliar e Automedida da Pressão Arterial
Esses procedimentos são úteis para:
— identificar a hipertensão do avental branco (hipertensão de consultório isolada);
— avaliar a eficácia da terapêutica anti-hipertensiva;
— estimular a adesão ao tratamento; e
— reduzir custos.
Os aparelhos eletrônicos devidamente validados e calibrados são os mais indicados para a medida da pressão arterial domiciliar. Os aparelhos de coluna de mercúrio e os aneróides podem ser usados, desde que calibrados e após treinamento apropriado. Os aparelhos de medida da pressão arterial no dedo não são recomendados.
Apesar de ainda não existir consenso quanto aos valores de normalidade para a medida da pressão arterial domiciliar, consideram-se valores normais até 135/85 mmHg.

Medida Ambulatorial da Pressão Arterial (MAPA)
A MAPA é um método automático de medida indireta e intermitente da pressão arterial durante 24 horas, enquanto o paciente realiza suas atividades rotineiras, inclusive durante o sono. Estudos têm demonstrado que esse método apresenta melhor correlação com risco cardiovascular do que a medida da pressão arterial de consultório. As principais indicações para o uso desse método, de acordo com o II Consenso de MAPA, estão apresentadas no Quadro 1.

Quadro 1. Indicações para a MAPA.
Hipertensão de consultório (hipertensão do avental branco)
Hipertensão arterial limítrofe
Hipertensão episódica
Avaliação do efeito terapêutico anti-hipertensivo, quando existirem dúvidas no controle da pressão arterial em 24 horas
Outras: sintomas sugestivos de hipotensão, suspeita de disfunção autonômica, episódios de síncope e pesquisa clínica

É importante ressaltar que ainda não existe evidência de que esse método deva ser empregado na avaliação rotineira do paciente hipertenso, não substituindo, portanto, a avaliação clínica do paciente e a medida da pressão arterial de consultório.

Situações Especiais de Medida da Pressão Arterial

Crianças
A determinação da pressão arterial em crianças é recomendada como parte integrante de sua avaliação clínica. À semelhança dos critérios já descritos para adultos:
1) A largura da bolsa de borracha do manguito deve corresponder a 40% da circunferência do braço.
2) O comprimento da bolsa do manguito deve envolver 80% a 100% da circunferência do braço.
3) A pressão diastólica deve ser determinada na fase V de Korotkoff.

Idosos
Na medida da pressão arterial do idoso, existem dois aspectos importantes:
1) Maior freqüência de hiato auscultatório, que subestima a verdadeira pressão sistólica.
2) Pseudo-hipertensão, caracterizada por nível de pressão arterial falsamente elevado em decorrência do enrijecimento da parede da artéria. Pode ser detectada por meio da manobra de Osler, que consiste na inflação do manguito até o desaparecimento do pulso radial. Se a artéria continuar palpável após esse procedimento, o paciente é considerado Osler positivo.

Gestantes
Devido às alterações na medida da pressão arterial em diferentes posições, atualmente recomenda-se que a medida da pressão arterial em gestantes seja feita na posição sentada. A determinação da pressão diastólica deverá ser considerada na fase V de Korotkoff. Eventualmente, quando os batimentos arteriais permanecerem audíveis até o nível zero, deve-se utilizar a fase IV para registro da pressão arterial diastólica.

Obesos
Em pacientes obesos, deve-se utilizar manguito de tamanho adequado à circunferência do braço (Tabela I). Na ausência deste, pode-se:
- corrigir a leitura obtida com manguito padrão (13 cm x 24 cm), de acordo com a tabelas próprias;
- usar fita de correção aplicada no manguito; e
- colocar o manguito no antebraço e auscultar a artéria radial, sendo esta a forma menos recomendada.

Critérios Diagnósticos e Classificação
Qualquer número é arbitrário e qualquer classificação, insuficiente. A necessidade de sistematização obriga uma definição operacional para separar indivíduos sãos dos doentes. Na realidade, podemos ter maior ou menor risco cardiovascular tanto acima como abaixo do número limítrofe, quando o paciente é considerado individualmente. Pelo exposto, enfatiza-se a necessidade de extrema cautela antes de rotular alguém como hipertenso, tanto pelo risco de falso-positivo como pela repercussão na própria saúde do indivíduo e o custo social resultante. Aceita-se como normal para indivíduos adultos (com mais de 18 anos de idade) cifras inferiores a 85 mmHg de pressão diastólica e inferiores a 130 mmHg de pressão sistólica (Tabela II).

Tabela II. Classificação diagnóstica da hipertensão arterial (adultos com mais de 18 anos de idade).

PAD
(mmHg)
PAS
(mmHg)
Classificação
< 85 < 130 Normal
85-89 130-139 Normal limítrofe
90-99 140-159 Hipertensão leve (estágio 1)
100-109 160-179 Hipertensão moderada (estágio 2)
> 110 > 180 Hipertensão grave (estágio 3)
< 90 > 140 Hipertensão sistólica isolada

A inclusão do grupo com cifras tensionais normal limítrofe de 130-139 mmHg/85-89 mmHg deve-se ao fato de que esses indivíduos se beneficiarão com as medidas preventivas.

A Tabela III apresenta os valores da pressão arterial referentes aos percentis 90 e 95 de pressão arterial em crianças e jovens de acordo com os percentis 50 e 75 de estatura:

— valores abaixo do percentil 90 = normotensão;
— entre os percentis 90 e 95 = normal limítrofe;
— acima do percentil 95 = hipertensão arterial.

Tabela III. Valores da pressão arterial em crianças e adolescentes.

Idade(anos) Estatura: percentil

e valor em em cm

Sexo: Masculino Pressão Arterial (mmHg) -Percentil Estatura: percentil

e valor em cm

Sexo feminino Pressão arterial (mmHg) Percentil 90 Percentil 95
Percentil 90 Percentil 95 Percentil 90 Percentil 95
1 50 th (76) 98/53 102/57 50 th (74) 100/54 104/58
75 th (78) 100/54 104/58 75 th (77) 102/55 105/59
3 50 th (97) 105/61 109/65 50 th (96) 103/62 107/66
75 th (99) 107/62 111/66 75 th (98) 104/63 108/67
6 50 th (116) 110/70 114/74 50 th (115) 107/69 111/73
75 th (119) 111/70 115/75 75 th (118) 109/69 112/73
9 50 th (132) 113/74 111/79 50 th (132) 113/73 117/77
75 th (136) 115/75 119/80 75 th (137) 114/74 118/78
12 50 th (150) 119/77 123/81 50 th (152) 119/76 123/80
75 th 121/78 125/82 75 th (155) 120/77 124/81
15 50 th (168) 127/79 131/83 50 th (161) 124/79 128/83
75 th(174) 129/80 133/84 75 th (166) 125/80 129/84
17 50 th(176) 133/83 136/87 50 th (163) 125/80 129/84
75 th (180) 134/84 138/88 75 th (167) 126/81 130/85

Por exemplo, um menino com 12 anos de idade, medindo 155 cm de altura (percentil 75) e apresentando pressão arterial de 118/76 mmHg será considerado normotenso. Já outro menino de mesma idade e mesma altura mas com pressão arterial de 124/80 mmHg será considerado normal limítrofe. Se esta segunda criança, ao invés de 155 cm, tivesse estatura de 150 cm (percentil 50), o nível tensional de 124/80 mmHg o faria ser considerado hipertenso. Como outro exemplo, uma menina com 1 ano de idade, 77 cm de altura (percentil 75) e pressão arterial de 107/64 mmHg será considerada hipertensa; em contrapartida, se essa mesma pressão arterial for encontrada em uma menina de 3 anos de idade com 96 cm de altura (percentil 50), a criança será considerada normal limítrofe.

Rotina Diagnóstica e de Seguimento
De acordo com a situação clínica presente, recomenda-se que as medidas sejam repetidas em pelo menos duas ou mais visitas. As medições na primeira avaliação devem ser obtidas em ambos os membros superiores. As posições recomendadas na rotina para a medida da pressão arterial são sentada e/ou deitada.

Para a confirmação do diagnóstico, em cada consulta, deverão ser realizadas no mínimo duas medidas, com intervalo de 1 a 2 minutos entre elas; caso as pressões obtidas apresentem diferenças superiores a 6 mmHg, sugere-se que sejam realizadas novas aferições, até que seja obtida medida com diferença inferior a esse valor. As recomendações para o seguimento estão apresentadas na Tabela IV.

Tabela IV. Recomendações para seguimento (prazos máximos).*
Pressão arterial inicial (mmHg)**

Sistólica

Diastólica

Seguimento

< 130

< 85

Reavaliar em 1 ano

130-139

85-89

Reavaliar em 6 meses

140-159

90-99

Confirmar em 2 meses

160-179

100-109

Confirmar em 1 mês

> 180

> 110

Intervenção imediata ou reavaliar em 1 semana

* Modificar o esquema de seguimento de acordo com a condição clínica do paciente.
** Se as pressões sistólica ou diastólica forem de categorias diferentes, o seguimento recomendado é definido como de menor tempo.

De acordo com a situação clínica presente, recomenda-se que as medidas sejam repetidas em pelo menos duas ou mais visitas. As medições na primeira avaliação devem ser obtidas em ambos os membros superiores.

Nos indivíduos idosos, portadores de disautonomia, alcoólatras e/ou em uso de medicação anti-hipertensiva, a pressão arterial deve ser medida também na posição ortostática.