Finalmente dobrei o cabo da esperança, virei um sexagenário.
Dizer que isso não mexe com a cabeça é mentira. O sentimento de
que a vida começa a encurtar não carrega muitas vantagens. Não
ando de ônibus e a fila das preferências nos supermercados, num
país que envelhece, está muitas vezes maior que as normais.
Não virei um “velho” pessimista, até porque ainda tenho muitos
planos profissionais. Agora, definitivamente aposentado, posso
cumpri-los sem amarras. Posso até admitir que no campo
profissional esteja numa fase de colheitas. Os convites para
trabalho na minha área têm aparecido com tanta intensidade, que
hoje trabalho mais fora do que mesmo em minha cidade.
Mas, vamos falar de planos e projetos futuros. Tenho dito e
repetido que embora pense ainda em viver bastante (nos meus
projetos de curtíssimo prazo não está morrer), sou realista. Não
cabe mais na minha vida projetos de longo e nem de médio prazo.
Vislumbro apenas projetos de curto e curtíssimo prazo.
De certa forma, isso tem sido motivo de discórdia com minha
companheira. Inês tem certeza da imortalidade, e ainda sonha com
projetos de longo prazo. Recentemente desejou investir na compra
de um apartamento. A alegação é que (depois de minha morte –
risos), ela vai se sentir insegura morando numa casa enorme. Já
disse para ela que morar em casa não é inseguro. Em quinze anos
ainda não vivi nenhuma violência. No entanto, a violência é na
hora de voltar para casa, e isso se aplica também a chegar num
apartamento. A violência está em todo canto, mas especialmente
na rua.
Investir na compra de um apartamento significaria, no momento
presente, comprometer alguns anos dos projetos de curto e
curtíssimo prazo, e isso não está em meus planos. Como sabemos
projetos desse tipo (são para hoje) não podem “esperar”.
Aprendi com meu pai a não esperar o “negocinho”. Ele me dizia
que vários companheiros de trabalho ao alcançarem o tempo de
aposentadoria ficavam cumprindo tempo adicional, esperando: uma
promoção, um atrasado, uma incorporação de vantagens. E, de
repente, o que chegava era a morte. No dia em que completei
sessenta anos, solicitei a minha aposentadoria. Foi esse o meu
presente de aniversário, não desejei festa.
Quando falo que meus projetos são de curto e curtíssimo prazo é
porque já os tenho bem definidos. Resumo que, embora continue
pensando no futuro, concentro todos os meus projetos de vida em
duas vertentes: lazer e convivência com meus familiares
(estendendo aos amigos). O mais imediato é deseducar os netos.
Tive-os ainda com filhos muito pequenos e não pude curti-los.
Agora é o tempo deles. O vovô careca chegou.
Em outras palavras, estou mais aberto às “irresponsabilidades”.
Estou mais vulnerável aos convites fúteis. Estou dizendo não aos
convites que não sejam prazerosos. Paradoxalmente, estou
trabalhando mais para conseguir bancar esses projetos.
A rigor, de projetos que ainda podem ser enquadrados como de
prazo intermediário tenho apenas um. É o tempo de espera por
Sophia, a minha primeira neta. Com ela certamente encerrarei o
meu tempo de espera. Dalí para frente será viver cada momento
como se ainda tivesse vinte anos, fosse rico, e tivesse
aprendido que a vida é muito curta para ser ocupada por tantos
compromissos.
Marco Mota
É médico cardiologista
E-mail:
mota-gomes@uol.com.br