O Pequeno Príncipe e a Medicina.

Transcrição: Erika Campana

“A maior caridade que podemos fazer por nossos pacientes, é estudar sempre e mantermo-nos em constante excelência.”

O texto “O Pequeno Príncipe e a Medicina” foi escrito por Leandro Diehl, Endocrinologista, docente e pesquisador na área de educação médica e encontra-se disponível no site www.raciocineoclinico.com.br

Como saber se um médico realmente ama sua profissão?

Existem várias maneiras de determinar isso, claro, mas uma das coisas que mais me ajudam a responder essa pergunta é o brilho no olhar diante do caso difícil.

Explico: quando você realmente gosta do que faz, você certamente desempenha bem as pequenas tarefas comuns do dia a dia – mas o que realmente estimula você é o desafio. Aquela missão onde vários já falharam. O problema diferente, nunca visto antes. O impensável. O imensamente complexo e raro. O problema cabeludo. Aquilo que parece impossível. A zebra, o camaleão, o unicórnio.

Não me entenda mal: a imensa maioria dos médicos atende bem esses pacientes complicados: colhe a história, examina, propõe tratamentos, acompanha o doente. Mas tem sempre um médico que vai um pouco mais além. É aquele que, diante de um paciente sofrendo com um diagnóstico difícil, fica animado, cheio de perguntas, com o olho brilhando! Descobrir aquele diagnóstico para poder ajudar o paciente passa a ser uma motivação fortíssima.

É aí que ele colhe novamente toda a história desde o começo, examina o paciente dos pés à cabeça, revê todos os volumes do prontuário para checar o que ainda não foi descartado, pesquisa doenças raras e estranhas na internet, lê blogs, discute com outros amigos que também curtem casos complicados. Nada desperta mais a curiosidade de um caçador de zebras do que um paciente que já foi virado do avesso por vários médicos e ainda permanece sem diagnóstico!

Diante da obscuridade, da ambiguidade, da incerteza, esse médico não se desmotiva. Muito pelo contrário! Ele redobra seus esforços. Ele trata de pensar no que ainda não foi pensado, tentar o que ainda não foi tentado. Ele se sente responsável. Ele dá um pouco mais de si. Afinal, aquele paciente precisa dele! Para mim, isso é o que reflete a paixão mais genuína pela arte e pela ciência médica: não esmorecer onde outros já desanimaram. Não parar de procurar uma solução só porque outros, antes dele, entregaram os pontos. Não perder a curiosidade jamais. Não desistir da sua sagrada missão de ajudar o paciente e achar o diagnóstico. E isso, sempre mantendo no olhar o brilho e a pureza próprios das crianças, sempre encantadas com o mundo à sua volta. Antoine de Saint-Exupéry, autor do clássico “O Pequeno Príncipe”, começa esse livro descrevendo aquela que é a maior diferença entre a visão de mundo das crianças e a dos adultos.

Ele conta que, quando tinha seis anos, ficou impressionado com o fato de que as jiboias, quando engolem uma grande presa, ficam seis meses deitadas, imóveis, fazendo a digestão. Depois de muito refletir sobre isso, ele fez seu primeiro desenho. Ao mostrar seu desenho número 1 para as pessoas grandes, ficou decepcionadíssimo porque elas não demonstravam medo. Elas só diziam: “Por que é que um chapéu faria medo?”

Só que o desenho não era de um chapéu. Era de uma jiboia digerindo um enorme elefante!

Seu segundo desenho, então, foi mais explícito, para que as pessoas grandes pudessem entender a figura sem necessidade de muitas explicações: demonstrando claramente o elefante dentro da barriga da jibóia. Mas as pessoas grandes também não gostaram do desenho número 2, e o aconselharam a abandonar os desenhos de jiboias e elefantes e ir estudar geografia, cálculo, gramática.

Feliz é o médico que, diante de um caso aparentemente insolúvel, não se contenta em ver apenas o contorno de um chapéu, mas tenta enxergar a doença dentro do doente, o elefante dentro da jiboia! Este, sim, ama sua profissão, com todos os seus mistérios!

Mantenha sempre acesa sua curiosidade. Não se contente com respostas fáceis. Tente enxergar além do óbvio – afinal, como já dizia o pequeno príncipe: “O essencial é invisível aos olhos.”

Ah, e antes de terminar este podcast: não esqueça de levar consigo o seu carneiro!

E para aqueles que não entenderam a citação ao carneiro, recomendo a releitura de O Pequeno Príncipe!