Em meu consultório guardo a imagem de duas santas. Uma é minha mãe que está materializada num retrato preto e branco. A outra é a santa de devoção dela que era Santa Terezinha. Depois de crescido, passei a ter também uma devoção especial à mesma santa de minha mãe. Acho que vem das observações que fiz em minha infância, quando por diversas vezes presenciei pela abertura da porta do quarto as conversas que minha mãe tinha com ela, e a admiração que fui nutrindo em perceber as conquistas que minha mãe obtinha fruto daquelas conversas.
Ainda está gravado em minha memória o gesto de meu irmão Márcio que colocou junto à minha mãe, quando ela baixava à sepultura, o retrato de Santa Terezinha que ele guardava dentro de seu quarto.
Durante anos o meu santuário foi crescendo. Os clientes que recebo, percebendo a minha “devoção”, vão acrescentando imagens às já existentes. Algumas são curiosas, como o meu Santo Antônio da cabeça quebrada. Esse, no dia em que a paciente me levou, sofreu esse acidente e assim permaneceu por muito tempo. Sempre que ela me visitava perguntava por ele, e eu o tirava de um armário para que ela visse que o presente estava valorizado. Até levei um tempo meditando para ver o que aquele fato teria de significado em minha vida. Um Santo Antônio de cabeça quebrada poderia significar que eu deveria fazer alguns reparos na minha conduta. Recentemente a paciente, cansada de me perguntar por ele, resolveu levar para consertar e já o trouxe de volta. Agora, soma-se aos outros santos o meu Santo Antônio que virou o da cabeça colada.
O último presente que recebi foi um padre Cícero, tamanho médio, que nem cabe em meu “santuário”. Desde que o recebi tenho-o mantido guardado na parte de trás de minha mesa de trabalho. O problema é que as pessoas que me levam um novo santo sempre desejam vê-lo em local de destaque no “santuário”. Quando não localizam logo o presente, muitas vezes por está por detrás, se apressam em melhor localizá-lo. Eu sempre me desculpo dizendo que é a pessoa que faz a limpeza quem muda a posição dos santos, afinal eles não se movimentam sozinhos (ainda).
Então, devo estar atento para o dia em que a cliente do meu padrinho Cícero vem para a consulta. Quando vejo que ela está na agenda do dia, apresso-me em colocá-lo numa posição de destaque. Quando ela sai do consultório, lá vai de volta o padrinho Cícero para detrás da mesa. A minha sorte é que ele é discreto e fica quieto durante a visita, senão eu ficaria numa situação embaraçosa (ainda não aprendeu a falar).
Em verdade, como o volume cresce dia a dia e tenho recebido muitas promessas de santos novos, meus clientes alimentam uma ideia diferente de minha crença. Por isso digo sempre que tenho apenas duas santas de devoção: minha mãe e Santa Terezinha. E sempre que eles dizem: doutor o senhor é muito religioso, eu lhes repondo: nem tanto.
Marco Mota
É médico cardiologista
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