Sendo médico, esse tema pode significar que não tenho mais nenhuma atuação nessa área. E é verdade, embora essa opção de não atender emergência eu já tomei quando ainda jovem. Depois de muitos anos trabalhando no antigo Hospital de Pronto Socorro e nas primeiras turmas da Unidade de Emergência, decidi que essa atividade seria interrompida. Até porque, nos tempos atuais, não existe mais nenhum motivo para um médico cardiologista ser chamado, por qualquer paciente, para atender a essa finalidade. Urgências e emergências devem ser atendidas nos locais próprios, seguindo protocolos determinados, e pelos profissionais que ali estão com essa destinação. Chamar médico em casa para atendimento emergencial é perder tempo, e tempo em cardiologia é vida.
Essa certeza de que vamos perdendo algumas funções (especialmente o médico, que tem muita semelhança com os remédios que prescreve: tem prazo de validade) fui descobrindo por etapas. A primeira vez que senti o peso da idade foi quando me tornei avô. Não foi fácil lidar com essa coisa de morte e ressurreição. O surgimento da segunda geração (depois dos filhos) foi para mim motivo de desarranjo emocional, e tive que me “reprogramar” para não ficar depressivo (coisa para mim inimaginável)..
Um segundo momento que recordo ter produzido impacto no meu emocional foi quando visitando um querido amigo oftalmologista ele descobriu que eu tinha catarata em forma já avançada. Fui embora daquela consulta completamente arrasado (ou mesmo aniquilado). A sentença proferida de que estava com catarata, teve o mesmo efeito de um chute proferido naquele lugar (que podem ser dois). E nem fui lá para saber que tinha essa coisa, o motivo tinha sido uma epidemia de conjuntivite que acometeu quase todo o meu grupo familiar. Bem que ele podia ter me poupado dessa desagradável notícia – risos. E depois ainda espalhou, contando para minha mulher que passou a me cobrar a cirurgia de imediato.
Agora, o definitivo foi o que me aconteceu na semana passada: estava voltando de São Paulo com meu colega de clínica (o Jassen), e no aeroporto ele sugeriu comprarmos a chamada cadeira conforto, que fica nas filas de emergência. Virou coisa comum as companhias aéreas cobrarem um diferencial para o passageiro que desejar estirar as pernas. Chegando ao guichê da companhia eu tirei o dinheiro e pedi que trocassem meu assento. A atendente abriu o computador, entrou nas minhas informações e depois sorrindo me disse: o senhor não pode mais viajar nessa fila de emergência por estar com mais de sessenta anos, e no caso de precisar manejar a porta o senhor não terá força suficiente. Foi assim como decretar a sentença definitiva: o senhor envelheceu e não presta nem mais para as emergências.
Marco Mota
É médico cardiologista
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