O mundo parou desde ontem (12.10.2010) para assistir o
espetacular resgate dos mineiros chilenos e boliviano. Eu, que
não consigo me concentrar em quase nada mostrado pela televisão,
quase não dormi de ontem para hoje. A vontade foi de não sair
mais de casa e assistir ao resgate de todos, um a um. Foi um
espetáculo para nenhum país civilizado botar defeito. Tudo
funcionou sem muita improvisação e, mesmo diante de minha
incredulidade quanto a um resultado totalmente favorável, a
comemoração se antecipou no primeiro resgate. Era a certeza de
um trabalho cooperativo, coletivo e competente.
A cápsula (que mais parecia uma nave tripulada) verdadeiramente
pousou dentro do local onde estava sendo esperada, com precisão.
Em seguida, o primeiro libertado e o encontro com sua mulher e
filho foi emocionante. Coisa de cinema (como costumamos dizer
com as coisas espetaculares), que certamente será contada por
todas as mídias possíveis.
Enquanto assistia ao discurso do presidente chileno, comecei a
ter um pensamento súbito de como seria se o acontecimento
tivesse como palco o meu Brasil. Primeiro, acho que após o
acidente (se fosse véspera de um feriado longo) seriam dados
como mortos pela impossibilidade de resgate. Depois, as famílias
sairiam em passeata percorrendo os diversos ministérios para
exigir que as buscas não fossem encerradas.
As revelações de algum médium chamariam a atenção para a
possibilidade de ainda continuarem vivos e as buscas
recomeçariam. O local apontado seria alvo de escavações iniciais
por alguma firma de perfuração de poços artesianos e revelariam
que de fato havia vida no interior da mina soterrada. Os planos
para o resgate seriam alvo de muitas reuniões e seria feita uma
licitação para compra e aluguel de equipamentos. Enfim, uma
nação capaz de explorar o pré-sal teria que suportar tecnologia
para uma profundidade intermediária.
Finda a licitação ainda haveria notícias de escândalos e
propinas, mas devido à urgência o início do trabalho seria
anunciado (o famoso estado de calamidade pública). Diriam logo
que demoraria no máximo uma semana, para depois esticar para
dois meses.
Enfim, chegaria o dia da retirada dos trabalhadores. Apenas um
canal de televisão teria direito às transmissões. O primeiro
sairia com a bandeira do Flamengo ou do Corinthians (ou as
duas). O boné usado na cabeça já teria uma representação de
marca. Quando fosse chamado para entrevistas já pediria para ser
consultado o seu empresário. Caso tivesse uma mineira, seria
convidada a posar nua dentro da cápsula.
Dariam um jeito de cavar um túnel para que a saída acontecesse
na Praça da Apoteose. Lá, teríamos a Escola de Samba campeã do
carnaval passado e os camarotes cheios de autoridades. A
narração do resgate seria feita pelo Galvão Bueno que gritaria:
é trinta, é trinta, é trinta e três. Os familiares com placa nas
mãos exibiam o clássico: “filma nós aqui”.
O bom (ou mal) é que teríamos a oportunidade de vê-los juntos, e
contando suas histórias, no Domingão (se o Faustão nesse dia
permitisse que os entrevistados falassem alguma coisa).
Marco Mota
É médico cardiologista
E-mail:
mota-gomes@uol.com.br