Confesso que não nutria muita simpatia pelo Cardeal Ratzinger, que um dia se tornou Papa Bento. Acompanhei todo o seu esforço “teológico” para tempos atrás sufocar um movimento de igreja denominado de Teologia da Libertação. Eu vivia muito envolvido com esses movimentos como integrante do Movimento Familiar Cristão (MFC), e senti de perto a força das estratégias articuladas para transformar aquele grito, que surgia do meio dos excluídos, numa teologia mais espiritualista e descompromissada. Todos os militantes dos diversos segmentos da igreja tinham conhecimento que o Cardeal Ratzinger era de fato o mentor daquela onda denominada à época de conservadora.
Tínhamos um ídolo, vindo lá de El Salvador e chamado Dom Oscar Romero. Para quem não conhece sua história ou dela esqueceu, lembro que ele era um padre sem muita expressão, descomprometido com o social, bastante conservador e por isso foi guinado ao posto de Bispo. O Vaticano escolhia a dedo as suas indicações. Nenhum padre de pensamento avançado progredia dentro da igreja. Com Dom Oscar aconteceu um fenômeno inesperado: ao ser escolhido Bispo e ao conviver com a realidade do povo de seu país ele se converteu. Passou a denunciar as estruturas e o regime militar, terminando assassinado durante uma celebração, e seu sangue foi misturado ao sangue de Cristo.
Por que estou lembrando disso, embora isso seja um fato para ser sempre lembrado? Acho que, na minha opinião, o Papa Bento também se converteu. Essa é uma das riquezas de pertencer à Igreja católica, eu posso como simples leigo dizer o que penso dela e até fazer comentários sobre o Papa. O ato de abdicar da função de Papa para mim foi um extraordinário ato de desprendimento, justamente para aquele que durante toda sua vida fez uso do poder para prosperar seus pensamentos. Indiscutivelmente deixou boas contribuições no conhecimento e discussão sobre Deus, mas superou-se quando abriu mão do poder para viver o anonimato. Muitos dizem que ele não suportou porque estava muito doente, mas os outros seguraram o “cargo” até a morte. Com a renúncia, Bento deu para mim uma forte sinalização de que estava de fato convertido.
Agora chega Francisco. Vou até retirar o nome de Papa já que ele parece que não é de muitas regalias. Seus seguidos gestos de desprendimento, pagando a própria conta da hospedaria, não aceitando o anel de ouro, recusando-se a morar na imensidão do quarto a ele destinado, visitando doentes, quebrando o cerimonial para estar junto ao povo e até abrindo mão do trono são gestos bastante significativos da simplicidade franciscana. Por isso tenho me feito uma pergunta: para onde caminhará a minha Igreja, tendo à frente um Papa que já assumiu convertido?
Marco Mota
É médico cardiologista
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