Os sertanejos são conhecedores do simbolismo e das riquezas do mandacaru. Planta que retrata bem o sofrimento de um povo, de uma raça, e de uma geração que resiste ao tempo, e teima em continuar vivendo. Planta um pouco esquisita, para quem nunca viu. De uma beleza exótica, e nem sempre admirada por todos. O local escolhido pelo mandacaru para criar vida é sempre onde a vida é uma hipótese remota. Surge como uma “teimosia”. Parece querer dizer: que é possível nascer e se desenvolver em meio à tanta desesperança. Consegue ser verde onde a cor predominante é a do chão queimado, e o colorido é visão, vista turva, delírio. Cresce forte, e se protege dos predadores gerando espinhos finos e afiados, e o mais impressionante é que consegue, num gesto inexplicável, dar uma flor de rara beleza, embora não exale perfume.
Há poucos dias tive a oportunidade de desfrutar um dos momentos mais belos, que a natureza já pode me oferecer. Ganhei de presente de amigos, uma muda de mandacaru, e plantei num jarro que mantenho numa sala de minha casa. Vi crescer aquela planta esquisita e, de vez em quando, ficava procurando um sentido para ela. Cheguei até a pensar que, por segurança e medo dos seus espinhos, devia arrancá-la. Porém, ela me deu a resposta: uma noite quando retornava à casa, depois de um dia de trabalho, uma de minhas filhas descobriu que o mandacaru havia “botado” uma flor. Abrimos a porta, e fomos contemplar aquele “abuso” da natureza. Confesso que o espetáculo presenciado, tirou-me o cansaço, e serviu para anestesiar toda tensão de mais um dia de luta. Ficamos por algum tempo admirando algo para nós inusitado. Sob a emoção da flor do mandacaru fomos dormir, e nesta noite sonhei com um mundo diferente, um mundo iluminado.
No dia seguinte, quis sair de casa com o mesmo clima que me envolveu na noite passada e abri a porta para me despedir daquela extraordinária flor. Para minha surpresa ela havia murchado. De repente secou, virou sertão, e me trouxe de novo à realidade. Não sabia que tanta beleza era coisa para durar apenas uma noite, mas, logo entendi o recado. Dizem que para o sertanejo o desabrochar da flor do mandacaru é sempre sinal de que a chuva virá por obra e graça da natureza, molhando o chão castigado, e permitindo plantar pelo menos o feijão, que vai amenizar mais um ano de fome e de seca. Penso que o simbolismo de murchar assim tão de repente, não resistindo ao sol do dia seguinte, pode significar que a seca não vai acabar por obra e graça também da natureza, mas pela natureza das obras necessárias e oportunas. Enquanto isto não acontece fico apenas na lembrança da flor, que faz da noite seu momento maior de beleza, e do amanhecer seu momento de agonia. Propiciando que se observe através de um fenômeno biológico, toda grandeza e todo sofrimento de um povo.
Marco Mota
É médico cardiologista