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Para onde foram todos os ataques cardíacos?

Dr. Henrique Tria Bianco, MD, PhD - do Setor de Lípides, Aterosclerose e Biologia Vascular da Disciplina de Cardiologia -Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e do Departamento de Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia

10/07/2020

COVID-19 e as Doenças Cardiovasculares
A Doença do Coronavírus 2019 (COVID-19) é agora uma pandemia, com incontável número de pessoas afetadas e milhões sob risco. É um vírus de RNA, com fita simples de sentido positivo, e que usa uma enzima de replicase de DNA (ou uma polimerase de RNA dependente de RNA) em sua replicação, não apresentado a enzima transcriptase reversa, como o vírus HIV.

Existem controvérsias na comunidade científica a respeito do vírus ser ou não um ser vivo. Muitos autores consideram que a vida se originou do RNA, pois, a partir desta molécula, são formadas novas quantidades dela mesma. Apesar de terem a capacidade de se replicar, os vírus não possuem um aparato enzimático suficiente para a replicação, necessitando, assim, da maquinaria celular para completar o seu ciclo de replicação, o que o torna um parasita intracelular obrigatório. Vírus só se reproduzem dentro de uma célula viva, que serve como hospedeira. O coronavírus possui seu material genômico de RNA para a síntese protéica, são então classificados como ribovírus. Estão envolvidos por uma capa de gordura e proteína, além da presença de várias proteínas em sua superfície, dentre elas, a Proteína Spike, ou Proteína S, que é uma espícula glicoproteica que se liga fortemente à enzima ECA2 (enzima de conversão da angiotensina) presente em nossas células, uma aminopeptidase ligada à membrana que é expressa no coração e nos pulmões e tem um papel vital no sistema cardiovascular, estando também envolvida no desenvolvimento de hipertensão e diabetes mellitus. Além disso, esta estrutura é a principal responsável pela indução da resposta imune do hospedeiro. Ao penetrar na célula humana, os ribossomos da célula hospedeira traduzem as informações contidas neste material genético, produzindo proteínas como a RNA- polimerase do vírus. Essa enzima replica o material genético viral dentro da célula hospedeira, produzindo primeiro uma fita intermediária de RNA sentido negativo (subgenômica) e, depois, novas fitas sentido positivo. Essas últimas vão compor novas partículas virais, após serem associadas a proteínas, como receptores de superfície. A montagem final dos novos vírus ocorre no retículo endoplasmático e no complexo de Golgi da célula hospedeira. Após, as partículas saem da célula e estão prontas para infectar outras células. A presença do vírus frequentemente gera mudanças morfológicas na célula hospedeira, conhecida como efeito citopático, como alterações estruturais e morfológicas, ou indução de processos apoptóticos (morte celular programada). Alguns vírus demoram ou impedem a apoptose – dando a eles mesmos a chance de replicarem mais virions.

O vírus COVID-19, SARS-CoV-2, afeta vários sistemas orgânicos especialmente pulmões e o coração. Os mecanismos plausíveis da lesão miocárdica incluem a hiperinflamação e a tempestade de citocinas mediadas por células T e monócitos patológicos que levam à miocardite; insuficiência respiratória e hipoxemia, resultando em danos aos cardiomiócitos; hipercoagulabilidade e desenvolvimento de trombose microvascular coronária; lesão endotelial difusa em vários órgãos, incluindo o coração; e estresse, causando ruptura de placa coronária.

O ambiente pró-inflamatório e o aumento da estimulação simpática na COVID-19 podem aumentar o risco de outras complicações cardiovasculares, como arritmias cardíacas e agravamento da insuficiência cardíaca pré-existente. Em pacientes com doença grave, distúrbios de hipóxia e/ou eletrolíticos podem potencializar o risco de arritmias. Por sua vez, a lesão aguda ao miocárdio é tipicamente observada em estágios avançados da doença e está associada à pior prognóstico. Desta forma, pacientes com síndromes isquêmicas agudas devem ser gerenciados com base nas recomendações atuais das diretrizes, com atenção nos agravos e idiossincrasias desta apresentação e no atual cenário. No entanto, em face de uma grande crise de saúde pública em andamento, os protocolos de tratamento podem ser ajustados com base na acuidade clínica e na disponibilidade de recursos locais. Em pacientes que necessitam de terapias de intervenção, todo o pessoal de saúde envolvido deve seguir as melhores práticas para o uso de protocolos de segurança.

DESTAQUE
A Doença do Coronavírus 2019 (COVID-19) está associada a uma alta carga inflamatória que pode induzir endotelite, miocardite, fenômenos trombóticos, instabilidade de placas ateroscleróticas e arritmias cardíacas. Grandes esforços e vários estudos estão em andamento para encontrar vacinas e antivirais específicos contra o SARS-CoV-2. Enquanto isso, fatores e condições de riscos cardiovasculares devem ser criteriosamente controlados de acordo com diretrizes baseadas em evidências.

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