Posicionamento da Diretoria do Departamento de Aterosclerose (DA) da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) sobre o uso de hipolipemiantes em portadores de insuficiência renal crônica: Resultados do ESTUDO SHARP


Dr. Renato Jorge Alves - Diretor Associado do DA/SBC
Prof. Dr Raul D. Santos – Presidente do DA/SBC
Data: Março/2011

Pacientes portadores de insuficiência renal crônica (IRC) apresentam elevado risco de doença cardiovascular. Este é atribuído a alta prevalência de hipertensão arterial sistêmica e diabetes tipo 2 nessa população. Além disso, aspectos peculiares à doença renal como hipertrofia esquerda, fibrose miocárdia, calcificação coronária, distúrbios do cálcio e fósforo também exercem papel deletério para o sistema cardiovascular (1). Já está bem demonstrado que a redução da colesterolemia, mais especificamente a da lipoproteína de baixa densidade (LDL-C), diminui a incidência de eventos cardiovasculares, por meio da intervenção farmacológica, principalmente por estatinas. Sabe-se também que o benefício absoluto é observado com mais intensidade nos indivíduos de prevenção secundária, em comparação aos de prevenção primária. Recentemente a nova metanálise do Cholesterol Treatment Trialists group (CTT), que avaliou dados de cerca de 170.000 indivíduos, mostrou relação contínua e gradual entre a queda do LDL-C e a diminuição dos eventos cardiovasculares maiores (2). Para cada 40 mg/dL de queda do LDL-C em média reduz-se o risco de eventos ateroscleróticos em cerca de 20%. Contudo, permanece ainda não totalmente esclarecido, se este benefício se aplica aos pacientes renais crônicos (1). Dois estudos testaram o efeito respectivamente da atorvastatina e rosuvastatina sobre os eventos cardiovasculares de portadores de IRC dialítica. O estudo 4D (3), realizado em 1255 indivíduos diabéticos submetidos à diálise, avaliou os efeitos da dose de 20 de atorvastatina, comparada a um braço placebo sobre os eventos cardiovasculares. Apesar da queda significativa do LDL, não houve diferença em relação aos eventos cardiovasculares nessa população. Da mesma forma, no estudo AURORA que englobou 2.775 pacientes em estágio final de doença renal, não houve redução dos eventos cardiovasculares com a rosuvastatina na dosagem de 10 mg/dia (4). Entre as possíveis explicações para a falha dessas potentes estatinas em reduzir os eventos cardiovasculares podemos citar: baixa incidência de morte por eventos coronários (respectivamente 8% e 23% nos estudos 4D, AURORA contra 42% na população geral do CTT) (1); elevada incidência de morte súbita pela fibrose miocárdica e por alterações hidroeletrolíticas; uma possível ausência de efeito benéfico da queda do LDL-C sobre uma doença avançada; e finalmente baixo poder estatístico para mostrar redução de eventos coronários nesses estudos. É importante enfatizar que em portadores de IRC terminal, predominantemente há bem menos eventos coronários e mais morte súbita e AVC hemorrágico do que na população normal (1). Nessas doenças claramente foi mostrado ausência dos efeitos das estatinas em preveni-las (1). Para esclarecer se realmente a redução do LDL-C seria benéfica em portadores de IRC grave, recentemente foram apresentados, porém ainda não publicados, os resultados do estudo SHARP (“Study of Heart and Renal Protection”). Este estudo teve como objetivo mostrar efeitos da redução do colesterol com a dupla inibição (sinvastatina 20 mg e ezetimiba 10 mg) sobre eventos ateroscleróticos maiores e sobre a evolução da doença renal. Foram estudados 9.438 pacientes, com grau avançado de lesão renal, 1/3 dos quais dialíticos na admissão, de forma randomizada e duplo-cega, controlada com placebo (5). Pacientes que haviam sofrido um infarto agudo do miocárdio (IAM) ou revascularização foram excluídos. O nível de LDL-c médio inicial do estudo era de 108 mg/dL. A pesquisa foi delineada para avaliar o efeito da diminuição da LDL-C na redução de primeiros eventos vasculares maiores (IAM não fatal ou morte cardíaca, AVCI, ou qualquer processo de revascularização). Os resultados mostraram que os eventos vasculares maiores foram significativamente reduzidos com o uso da associação de medicamentos após um período de 4,9 anos, p=0,001. A queda dos eventos ateroscleróticos maiores foi proporcional a queda do LDL-C, conforme predito pela equação da metanálise do CTT. Ou seja, diferença do LDL-C entre os grupos de 32 mg/dL levando a redução de 17% nos eventos (6) . É importante enfatizar que segundo os autores uma adesão total ao tratamento, que foi de apenas 2/3 dos casos, levaria a redução de cerca de 30–40 eventos por 1000 pacientes tratados por 5 anos. Não houve heterogeneidade dos resultados entre indivíduos pré e em diálise, embora haja tendência de maior benefício nos primeiros. Não houve diferenças entre os grupos na prevenção da progressão da doença renal. Apesar da diminuição dos eventos vasculares no SHARP não houve redução da mortalidade. Contudo a mortalidade por infarto do miocárdio foi de apenas 2%, sendo que 25% dos pacientes morreram no estudo (6)! Esses resultados precisam ser mais bem discutidos com a aguardada publicação do estudo SHARP avaliando-se as populações em “intenção de tratar” e em “análise por protocolo”. Um achado importante foi que a incidência de eventos adversos, tais como câncer, mortalidade, hepatite, cálculos biliares, pancreatite e aumento dos níveis das transaminases ou de CPK, com a associação ezetimiba/sinvastatina foi comparável ao placebo. Estes resultados mostraram segurança e eficácia desta terapêutica na redução da LDL-C. Um dos grandes desafios é explicar os resultados divergentes do SHARP, 4D e AURORA. Talvez a melhor explicação seja o maior poder estatístico pelo maior tamanho amostral do SHARP em relação aos outros estudos. Outra hipótese seria talvez uma maior predominância de indivíduos pré-diálise no SHARP, com doença renal menos avançada e aonde haveria maior benefício da redução do colesterol. Contudo estas são hipóteses que merecem ser provadas. Finalmente é nossa opinião que o SHARP evidenciou redução de morbidade para essa população que recebeu a associação ezetimiba/sinvastatina e que este benefício ocorreu proporcional à queda do LDL-C. Dessa forma, indivíduos portadores de IRC devam ser tratados com terapia hipolipemiante para redução da morbidade. Finalmente é nossa opinião que o SHARP evidenciou redução de morbidade para essa população que recebeu a associação ezetimiba/sinvastatina e que este benefício ocorreu proporcional à queda do LDL-C. Dessa forma, indivíduos portadores de IRC devam ser tratados com terapia hipolipemiante para redução da morbidade.

Referências:

1. Lewis D, Haynes R, Landray MJ Lipids in chronic kidney disease. J Ren Care. 2010;36 Suppl 1:27-33.
2. Baigent C, Blackwell L, Emberson J, Holland LE, Reith C, Bhala N, Peto R, Barnes EH, Keech A, Simes J, Collins R.Cholesterol Treatment Trialists Collaboration. Efficacy and safety of more intensive lowering of LDL cholesterol: a meta-analysis of data from 170,000 participants in 26 randomised trials. Lancet. 2010 ;376:1670-81.
3. Wanner C, Krane V, Marz W, et al. Atorvastatin in patients with type 2 diabetes mellitus undergoing hemodialysis. N Engl J Med 2005;353:238-24
4. Fellström BC, Jardine AG, Schmieder RE, et al Rosuvastatin and cardiovascular events in patients undergoing hemodialysis. N Engl J Med 2009 ;360:1395-407.
5. Sharp Collaborative Group. Study of Heart and Renal Protection (SHARP): randomized trial to assess the effects of lowering low-density lipoprotein cholesterol among 9,438 patients with chronic kidney disease. Am Heart J. 2010;160:785-794.
6. http://www.ctsu.ox.ac.uk/~sharp/slides.htm (acessado na internet em 11/03/2011).

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