Fernando Cesena, em nome da Diretoria do Departamento de Aterosclerose da SBC
Data: abril/2010
Com alguma frequência, levantam-se controvérsias sobre o custo-benefício do uso de estatinas para prevenção de eventos cardiovasculares em mulheres aparentemente saudáveis, ou seja, em prevenção primária. Particularmente, comentários veiculados pela imprensa leiga, questionando a real validade do uso de estatinas nestas situações, podem gerar dúvidas sobre o assunto e mesmo comprometer o adequado tratamento das pacientes.
Esta controvérsia é oriunda do fato de que alguns estudos clínicos e metanálises mostraram que a redução de eventos cardiovasculares pelas estatinas, em prevenção primária, é menor nas mulheres do que nos homens, por vezes até não significante. Além disso, em alguns estudos o risco de efeitos colaterais com estatinas foi maior nas mulheres do que nos homens
No entanto, este aparente menor benefício das estatinas entre as mulheres pode ser explicado, pelo menos em parte, por questões metodológicas: sendo menor o risco absoluto de eventos cardiovasculares nas mulheres, e menor o número de mulheres incluídas nos ensaios clínicos, em relação aos homens, torna-se mais difícil demonstrar os benefícios das estatinas sobre desfechos duros.
Além disso, é indiscutível a relação entre níveis elevados de LDL-colesterol e doença aterosclerótica nas mulheres, e não se conhece uma razão biológica plausível para uma suposta ausência de benefício das estatinas no sexo feminino. Com relação aos efeitos colaterais, que muito raramente são de gravidade, deve-se levar em consideração que o risco pode ser mais elevado em mulheres devido ao menor tamanho corporal e a tendência de prescrição em faixas etárias mais avançadas, o que aumenta a chance do uso concomitante de outros medicamentos com consequente interação medicamentosa.
Em uma recente subanálise do estudo Justification for the Use of Statins in Prevention: An Intervention Trial Evaluating Rosuvastatin (JUPITER), analisou-se o uso de rosuvastatina em prevenção primária de acordo com o gênero.1 O estudo incluiu quase 7.000 mulheres com idade 60 anos, 11.000 homens com idade 50 anos, todos com LDL-colesterol <130 mg/dL e PCR de alta sensibilidade 2 mg/L. O desfecho primário foi uma combinação de infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral, hospitalização por angina instável, revascularização arterial ou morte cardiovascular. A redução do risco relativo do desfecho primário foi semelhante nas mulheres e nos homens. O número necessário para tratar (NNT) para evitar 1 desfecho primário em 5 anos foi projetado em 36 nas mulheres e 22 nos homens, ou seja, maior nas mulheres porém ainda considerado baixo. Neste mesmo estudo, a ocorrência de efeitos colaterais graves foi similar entre homens e mulheres.1
Na mesma publicação, os autores apresentam uma metanálise de 13.154 mulheres participantes de ensaios de prevenção primária, na qual encontraram uma redução significativa de 1/3 no risco de eventos cardiovasculares com o uso de estatinas.1
Estes resultados são consistentes com o Cholesterol Treatment Trialists' collaboration, que não mostrou diferença entre os gêneros no tocante à eficácia das estatinas numa grande metanálise envolvendo 90.056 indivíduos de 14 ensaios randomizados.2
Desta forma, este posicionamento tem por objetivo reiterar que, quando bem indicadas, as estatinas promovem redução do risco cardiovascular em mulheres em prevenção primária. O benefício do uso de estatinas supera o mínimo risco de efeitos colaterais graves. Quando o alcance de metas de LDL-colesterol não for possível com medidas não-farmacológicas, e quando não houver contra-indicação, não se justifica evitar o uso de estatinas em mulheres em prevenção primária. Tal posicionamento é especialmente relevante se considerarmos os dados do estudo The Lipid Treatment Assessment Project (L-TAP) 2,3 que avaliou o alcance de metas lipídicas em quase 10.000 indivíduos 20 anos com dislipidemia sob uso de medicamentos em 9 países, incluindo o Brasil. Em relação aos homens, as mulheres apresentaram menor taxa de alcance de metas de LDL-colesterol, o que foi explicado por uma diferença nas taxas no subgrupo de maior risco coronário, com meta de LDL-colesterol <100 mg/dL (alcance em 62,6% vs 70,6%, P <0,0001). Ou seja, em relação aos homens, as mulheres de alto risco coronário estão sendo subtratadas, o que reforça a recomendação para o uso de estatinas para o alcance de metas lipídicas.
Referências:
1 Mora S, Glynn RJ, Hsia J, MacFadyen JG, Genest J, Ridker PM. Statins for the primary prevention of cardiovascular events in women with elevated high-sensitivity C-reactive protein or dyslipidemia: results from the Justification for the Use of Statins in Prevention: An Intervention Trial Evaluating Rosuvastatin (JUPITER) and meta-analysis of women from primary prevention trials. Circulation 2010;121(9):1069-77.
2 Baigent C, Keech A, Kearney PM, Blackwell L, Buck G, Pollicino C, Kirby A, Sourjina T, Peto R, Collins R, Simes R; Cholesterol Treatment Trialists' (CTT) Collaborators. Efficacy and safety of cholesterol-lowering treatment: prospective meta-analysis of data from 90,056 participants in 14 randomised trials of statins. Lancet 2005;366(9493):1267-78. Erratum in: Lancet. 2008 Jun 21;371(9630):2084. Lancet. 2005 Oct 15-21;366(9494):1358.
3 Antos RD, Waters DD, Tarasenko L, Messig M, Jukema JW, Ferrières J, Verdejo J, Chiang CW; L-TAP 2 Investigators. Low- and high-density lipoprotein cholesterol goal attainment in dyslipidemic women: The Lipid Treatment Assessment Project (L-TAP) 2. Am Heart J 2009;158(5):860-6.
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