Posicionamento oficial do Departamento de Aterosclerose da SBC sobre os resultados do estudo ACCORD Lipid: devemos ou não associar fibratos a estatinas para a prevenção da doença cardiovascular em diabéticos?


Daniel Branco de Araujo, em nome da Diretoria do Departamento de Aterosclerose da SBC
Data: abril/2010

Os primeiros resultados do estudo ACCORD (Action to Control Cardiovascular Risk in Diabetes) demostraram que a estratégia de controle glicêmico intenso aumentou o risco de morte em pacientes diabéticos. Apresentado no congresso do ACC 2010 e publicado recentemente no New England Journal of Medicine (www.nejm.org 14/3/2010 (10.1056/NEJMoa1001282), os resultados de um dos braços do estudo ACCORD, o ACCORD Lipid Trial, avaliou a eficácia da terapia de combinação para o controle de lípides no paciente diabético.

A hipótese do estudo é que a terapia de associação sinvastatina mais fibrato, em comparação com a monoterapia com sinvastatina, poderia reduzir o risco cardiovascular em pacientes com diabetes mellitus tipo 2. Essa hipótese baseia-se no fato que concentrações baixas de HDL-C e elevadas de triglicérides continuam a indicar um risco elevado de eventos cardiovasculares mesmo após a diminuição do LDL-C como demonstrado previamente nos estudos IDEAL e TNT. Os resultados não demonstraram desfecho favorável: a combinação de fenofibrato mais sinvastatina não reduziu a taxa de eventos cardiovasculares fatais, de infarto do miocárdio não fatal e de acidente vascular cerebral não fatal, em comparação à monoterapia com sinvastatina, ou seja, os resultados do estudo não suportaram o uso rotineiro da terapia de combinação com fenofibrato e sinvastatina para reduzir o risco cardiovascular na maioria dos pacientes com diabetes tipo 2.

A associação fibrato e estatina foi segura do ponto de vista muscular não havendo diferença na taxa de elevação da CPK em ambos os grupos. Contudo, houve aumento da creatinina sérica com efeito direto do fenofibrato sobre a função renal, efeito este já previamente conhecido e independente de rabdomiólise. Por outro lado, houve dimnuição da micro e macroalbuminúria com o uso de fibrato.

Para compreendermos melhor os resultados do estudo é necessário avaliarmos alguns parâmetros: 1- primeiro, em ambos os grupos houve redução do LDL-C para 80 mg/dL, ou seja, para valores bem adequados do LDL e associados a redução significativa do risco de eventos cardiovasculares, fato que provavelmente explica uma taxa 50% mais baixa de eventos do que a esperada quando os autores planejaram o estudo;2) A médiana de triglicérides do grupo tratado foi de apenas 162 mg/dl e a média de HDL-c de 38 mg/dl, pacientes que, na prática clínica, não deveriam receber um fibrato para tratamento da hipertrigliceridemia ou do HDL-c baixo. 3) Uma análise de subgrupo mostrou benefício da associação naqueles que apresentavam um nível maior de triglicérides (>284 mg/dl) e menor de HDL-c (<29,5 mg/dl).

Resultados post hoc semelhantes foram encontrados em subanálises realizadas nos estudos Helsinki Heart Study, BIP e FIELD todos com fibratos. Os resultados do ACCORD confirmam que a primeira meta no controle lipídico em diabéticos é o LDL-c e que os fibratos podem ser introduzidos apenas se o LDL-c estiver sob controle, como recomenda a IV Diretriz Brasileira Sobre Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose do Departamento de Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia.

Apesar da falta de evidências, diretas, continuamos a recomendar o uso de fibratos no tratamento da hipertrigliceridemia endógena e do HDL-c baixo quando houver falha das medidas não farmacológicas, e quando as estatinas não forem suficientes para controle do perfil lipídico. A clássica indicação persiste quando os triglicérides forem muito elevados (>500 mg/dL), junto às medidas não farmacológicas visando a prevenção da pancreatite e possivelmente da doença cardiovascular. A associação fibrato com estatinas deverá ser avaliada caso a caso.

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