• Eu também sou assim, mais ou menos

    Depois que publiquei (faz tempo) uma prosa falando sobre amizades mais ou menos, eu tive uma interação bastante rica com um grupo de amigos com os quais partilho tudo que escrevo. Achei interessante a preocupação de todos eles em saber se estavam enquadrados entre aqueles que “no final do dia, pingam duas gotinhas de óleo”. Depois das primeiras insinuações, eu passei a ter o cuidado de fazer uma observação dizendo para eles que todos fugiam desse padrão de amigos “mais ou menos” e estavam enquadrados na categoria de amigos “cem por cento”.

    A concepção de amigos “cem por cento” pode até residir na superficialidade da amizade. As pessoas com quem mais intensamente dividimos o nosso tempo e a nossa atenção são as que mais podem observar os nossos defeitos. Tenho certeza de que para a Inês eu sou um amigo (além de cúmplice, parceiro e amante), mais ou menos. Não desejo dizer com isso que ela não sinta e nem corresponda ao afeto que tenho por ela, mas, seguramente, ela tem a maior chance de perceber os meus defeitos e, mesmo assim, continua acreditando e investindo nessa amizade já por mais de 47 anos. Com certeza, também os meus filhos, mesmo demonstrando sempre um imenso carinho por mim, devem continuar retribuindo esse amor porque se acostumaram com os meus defeitos, e seguiram me amando apesar deles.

    Assim, eu desejo avisar a todos os meus amigos que também “vazo óleo”. Para os que já perceberam esse meu “vazamento”, peço compreensão. Para os que (porventura) ainda não perceberam os meus defeitos e, por isso, me achavam um amigo “cem por cento”, fiquem atentos para não sentirem frustração ao perceberem que também sou assim, mais ou menos.

    Marco Mota
    Maceió – AL



    Rock na Chapada

    Confesso que por minha cabeça não passava a ideia de visitar a Chapada Diamantina, sempre que pensava na Bahia me atraia os encantos do seu litoral e invariavelmente meus roteiros terminavam na Praia do Forte, em Itaparica, Mangue Seco ou Salvador mesmo.

    Naquele ano, já se passaram 15 Janeiros, resolvi atender aos insistentes apelos da minha mulher e fui lá. Levei a tiracolo minha mãe, uma adoradora do turismo ecológico e rural. Instalados em Lençóis, uma cidade histórica e bastante simpática, talvez a capital da Chapada Diamantina, partimos para nossos passeios. Visitamos cachoeiras, grutas, lagos e outras atrações da região.

    Na segunda noite da nossa estadia no local fomos circular, vagar pelas ruas da cidade. Encontramos a Rua da Baderna, uma estreita via só para pedestres, repleta de bares e restaurantes com mesas do lado de fora. Era sexta-feira e a rua estava abarrotada de turistas e moradores locais. Como eu estava caminhando um tanto relaxado demais, quase esbarro em um transeunte. Ao tentar me desculpar acreditei tratar-se de uma pessoa do meu relacionamento, seu rosto era muito familiar. Quando me preparei para uma saudação mais efusiva, ele indiferente acenou e seguiu seu caminho no meio da multidão. Fiquei intrigado e buscava constantemente nas caixas da minha memória quem seria aquele personagem. Cheguei a imaginar que fosse um ator da televisão.

    Minha dúvida foi esclarecida na manhã seguinte quando um guia turístico foi ao nosso encontro para mais um dia de trilhas e passeios. Ao mencionar a dúvida que me ocorrera, ele prontamente respondeu:

    - É o Led Zeppelin, ele tem uma casa aqui em Lençóis. Quando não está em Londres fica aqui o tempo todo. É seu refúgio espiritual.

    Tudo estava elucidado. Na noite anterior eu tinha me deparado com Jimmy Page, o fabuloso guitarrista do Led Zeppelin, uma das bandas mais influentes da história do Rock.

    Não precisa fazer um esforço muito grande para adivinhar que naquele dia o roteiro previsto foi totalmente modificado. Foi permutado por uma peregrinação aos locais frequentados pelo músico, num estabelecimento que era um misto de café e bar, passei uma boa parte da tarde saboreando umas cervejas e contemplando pôsteres e raros objetos dos componentes da banda. No local recebi a informação que o proprietário mantinha uma estreita amizade com Jimmy.

    Ao regressar para Natal me tornei um potencial admirador das belezas naturais da Chapada Diamantina, mas nada marcou tanto essa viagem para mim quanto a noite que quase esbarro num Led Zeppelin.

    Antônio Spinelli
    Natal – RN



    Zerada

    Resolvi recolocar a foto de minha família na parede do consultório. Nela estão eu, Inês e os 10 filhos. Todos que a olham imaginam que ali estão oito filhos e dois netos. Lucca e Louise foram os filhos que tivemos já depois dos cinquenta anos. Assim, os temos mesmo como filhos-netos.

    Em casa vivemos os desafios educacionais que envolvem três gerações. Ainda temos adolescentes e pré-adolescentes, com suas realidades distintas. Em determinados momentos misturamos o nosso comportamento com o de avós, quando tudo permitimos. Outras vezes, somos duros e intransigentes como os pais muitas vezes devem ser. O bom é que entre conflitos de gerações e dificuldades administrativas (gerenciamos uma família que é uma micro-empresa), nos divertimos mais do que temos problemas.

    Recentemente vivemos a primeira comunhão de Lucca e Louise. A vantagem de estudarem em colégio cristão e com educação religiosa católica, é que essa parte da educação que deve ter a participação dos pais é também dividida com a escola.

    A fase de preparação levou uns seis meses, entre reuniões e logística que envolve, entre outras coisas, as roupas, os livrinhos, as lembrancinhas e ensaios para a cerimônia. No entanto, o mais importante foi a preparação espiritual para receber pela primeira vez o corpo de Cristo. Isso envolve a compreensão do sentido do sacramento, e implica na confissão dos pecados acumulados.

    Chegado o dia da confissão, levei-os ao colégio com essa finalidade. Quando retornei à noite para casa fui conversar um pouco com eles para saber como estavam se sentindo (depois de “aliviar” a carga dos pecados). Primeiro conversei com Lucca. E aí filho como foi a conversa com o padre? Ele respondeu que tinha sido legal. Contei tudo que me lembrava que tinha feito de errado, e depois ele mandou rezar dez Ave Maria e dez Pai Nosso. Depois procurei a Louise com a mesma indagação: e aí filha como foi a conversa com o padre? Diferentemente do Lucca, que foi logo contando a penitência, ela se mostrou um pouco na defensiva desejando logo encerrar a conversa. Eu insisti, e qual foi a penitência? Ela prontamente respondeu: isso é coisa minha e do padre, e não posso revelar. Persisti: filha não tem nada a ver, seu irmão me disse qual foi a penitencia dele e não vejo nenhum problema nisso. Ela rapidamente disparou: vinte Ave Maria e vinte Pai Nosso. Eu, de brincadeira, falei: aí filha, estava carregadinha, não é mesmo? E ela respondeu: é pai, mas agora eu estou zerada. OBS.: Lucca e Louise agora já com 22 anos e bem carregados, rssss!

    Marco Mota
    Maceió – AL

    A literatura e o coração

    Pesquisando outro dia sobre alguns autores e obras literárias, encontrei um texto de Raul Pompéia, em que o mesmo dava ênfase a esse órgão, em que é motivo de uma simbologia impressionante, contrapondo-se ao seu contexto técnico e científico. Assim sendo, procurei trazer à tona, o que o autor citado, discorria de forma desordenada em um texto magnífico. Segue então, a minha impressão pessoal, do que o grande Raul Pompéia deixou transparecer, nas linhas abaixo. Iniciamos, buscando vislumbrar também, o coração como pêndulo universal de ritmos. O movimento isócrono do músculo, é como o aferidor natural das vibrações harmônicas, nervosas, luminosas e sonoras. Graduam-se pela mesma escala os sentimentos e as impressões do mundo. Há estados d'alma que corresponde à cor azul, ou às notas graves de uma música; há sons brilhantes e reluzentes, como a luz vermelha, que se harmonizam no sentimento com a mais devida animação, aos sons de toques musicais. São esses os influxos do coração, sejam metafóricos ou não, o que importa, é ser lembrado como grande símbolo da humanidade.

    Fernando Lianza
    João Pessoa - PB

    Rock na Chapada

    Confesso que por minha cabeça não passava a ideia de visitar a Chapada Diamantina, sempre que pensava na Bahia me atraia os encantos do seu litoral e invariavelmente meus roteiros terminavam na Praia do Forte, em Itaparica, Mangue Seco ou Salvador mesmo.

    Naquele ano, já se passaram 15 Janeiros, resolvi atender aos insistentes apelos da minha mulher e fui lá. Levei a tiracolo minha mãe, uma adoradora do turismo ecológico e rural. Instalados em Lençóis, uma cidade histórica e bastante simpática, talvez a capital da Chapada Diamantina, partimos para nossos passeios. Visitamos cachoeiras, grutas, lagos e outras atrações da região.

    Na segunda noite da nossa estadia no local fomos circular, vagar pelas ruas da cidade. Encontramos a Rua da Baderna, uma estreita via só para pedestres, repleta de bares e restaurantes com mesas do lado de fora. Era sexta-feira e a rua estava abarrotada de turistas e moradores locais. Como eu estava caminhando um tanto relaxado demais, quase esbarro em um transeunte. Ao tentar me desculpar acreditei tratar-se de uma pessoa do meu relacionamento, seu rosto era muito familiar. Quando me preparei para uma saudação mais efusiva, ele indiferente acenou e seguiu seu caminho no meio da multidão. Fiquei intrigado e buscava constantemente nas caixas da minha memória quem seria aquele personagem. Cheguei a imaginar que fosse um ator da televisão.

    Minha dúvida foi esclarecida na manhã seguinte quando um guia turístico foi ao nosso encontro para mais um dia de trilhas e passeios. Ao mencionar a dúvida que me ocorrera, ele prontamente respondeu:

    - É o Led Zeppelin, ele tem uma casa aqui em Lençóis. Quando não está em Londres fica aqui o tempo todo. É seu refúgio espiritual.

    Tudo estava elucidado. Na noite anterior eu tinha me deparado com Jimmy Page, o fabuloso guitarrista do Led Zeppelin, uma das bandas mais influentes da história do Rock.

    Não precisa fazer um esforço muito grande para adivinhar que naquele dia o roteiro previsto foi totalmente modificado. Foi permutado por uma peregrinação aos locais frequentados pelo músico, num estabelecimento que era um misto de café e bar, passei uma boa parte da tarde saboreando umas cervejas e contemplando pôsteres e raros objetos dos componentes da banda. No local recebi a informação que o proprietário mantinha uma estreita amizade com Jimmy.

    Ao regressar para Natal me tornei um potencial admirador das belezas naturais da Chapada Diamantina, mas nada marcou tanto essa viagem para mim quanto a noite que quase esbarro num Led Zeppelin.

    Antônio Spinelli
    Natal - RN

    Refletindo sobre a perenidade das relações

    Recentemente assistindo a uma propaganda de televisão fui surpreendido com a seguinte frase: “nos conhecemos ontem à noite.

    Estamos juntos até hoje”. É uma releitura do eterno enquanto dure atualizado.

    Deixamos tanto de nos preocupar em manter nossas relações (quer sejam familiares ou sociais), que estamos aprendendo até a valorizar o curto tempo. Algumas amizades que possam ser descartadas apressadamente, porque o curto tempo tornou-se tão grande que dificulta suas permanências. Costuma-se denominar essas amizades de curto tempo de descartáveis.

    O problema reside justamente no quão curto é esse nesse tempo, que possa estar embutido no “estamos juntos até hoje”, quando nos conhecemos ontem. Não vou lamentar as amizades que perdi por não tem a elas oferecido tempo. O que acredito é que esse tempo não esteve entre o ontem e o hoje (no sentido real de horas – 24 no máximo).

    Sempre fui um insistente e obstinado ser em busca de relações demoradas (algumas que não se eternizaram).

    O que tenho convicção (posso estar equivocado), é de que me esforcei para fazê-las demorar mais que um dia.

    Marco Mota
    Maceió – AL

    O amor da florista


    Scheyla Ferro
    Aracajú - SE


    E não morre mesmo.

    Dia comum de consultório. Inicio de trabalho. Entram para consulta dois antigos clientes pelos quais nutro um sentimento de antiga de amizade (um é escritor). Como nada acontece de repente e sem motivo aparente, hoje é o dia da amizade.

    A paciente coloca sobre a minha mesa um livro, que de início não reconheci porque mudou o formato e a diagramação, mas ao percorrer o título, mesmo de cabeça para baixo, pude perceber que se tratava daquele livro escrito por um especial amigo - Marco Aurélio Dias da Silva - intitulado: Quem ama não adoece.

    Alguma coisa se passou pela minha cabeça. Foi como se estivesse recebendo o abraço do amigo no dia da amizade. Em seguida outro recado: a visita de um amigo escritor. Já gostei muito de escrever, mas sem espaço para publicar as besteiras que escrevia fui me desinteressando.

    Perguntei se a cliente tinha alguma ideia de quem era o autor do livro que estava lendo? Ela me respondeu que não. Então ousei contar um pouco da história do homem que muito amou e mesmo assim morreu.

    Lembrei-me do nosso último encontro em Maceió, uns dois meses antes de sua “morte”. Em seguida, lembrei-me também de algo que havia escrito para ele quinze dias depois de sua partida.

    Fui no Google e busquei o escrito. La estava, e inclusive com uma foto dele. Sua presença então se tornou ainda mais radiosa naquele momento. Emocionei-me e chorei. A cliente não entendi bem o que estava acontecendo, mas paciência, tem momentos que não dá para segurar a emoção.

    Contei-lhe a história e li a prosa escrita aquela época. O grande contraste era o paradoxo com o título. Havia escrito que “quem ama também morre”. Ao continuar a leitura do que havia posto e estava esquecido, fiquei curioso com o desfecho que teria finalizado o meu texto. Será que ia contradizer o autor de “quem ama não adoece”?

    Para minha felicidade eu percebi que minha prosa terminava assim: quem ama também adoece, mas não morre.

    Estava coberto de razão. Para aquela senhora que se deliciava com o escrito de Marco Aurélio ele estava bem vivo. Ficou surpresa quando lhe falei que ele havia partido (devia ter omitido), porque para ela, ele estava bem vivo.

    Quem ama adoece, mas não morre. O amor do qual o Marco trata (va) naquele livro não se esgota com a morte. Amor que é transmutado para seus ainda leitores. E felizes daqueles que descobrem essa obra prima da literatura humanista.

    Meu amigo, sua visita me fez voltar a escrever um texto depois de mais de oito anos afastado dessa lida.

    Vou repartir com alguns poucos amigos, que certamente entenderão o valor desse encontro que acabo de narrar.

    Marco Mota
    Maceió – AL

    Professor Beethoven

    No último ano que moramos em Recife, estudei no colégio estadual localizado nas proximidades da casa para a qual recentemente havíamos nos mudado. Quando lá cheguei o ano letivo já tinha dias do seu início. Recebi a alcunha de novato e passei a ser apontado como autor dos atos não muito ortodoxos praticados pelo grupo dominante da sala. Eles ocupavam as últimas fileiras de bancos escolares, eram barulhentos e ousados.

    Para não permanecer naquela incomoda situação adoteis algumas estratégias, entre elas participar dos treinos de futebol e transferi meu local de assistir as aulas para as fileiras ocupadas pelo grupo transgressor.

    Entre os professores daquele ano, o mais pitoresco era o que lecionava música. Ele era um tanto quanto surdo, ganhou por isso o codinome de Beethoven. Suas aulas invariavelmente eram encerradas com um hino que ele adorava. Para ele um deleite. Para toda turma um divertimento. Os versos do hino, algo com “com feitos fúlgidos da história”, eram substituídos pelo grupo da cozinha por “confeito, drops, chocolate”.

    Como os alunos das primeiras filam não seguiam a versão de confeitaria do hino, o professor não escutava a parodia. Ficava sem entender a razão da gargalhada estridente, que soava na sala ao final do hino.

    Algum tempo depois, alunos receosos passaram a adotar a nossa versão do hino. Cada vez mais crescia o número de aderentes. Numa dessas aulas os alunos das primeiras filas acompanharam os demais na naquela variante adocicada do hino. O professor ficou surpreso ao tomar conhecimento da forma que entoávamos sua peça musical preferida. Balançou a cabeça com uma expressão de total desaprovação. Houve um momento de silêncio absoluto na sala que só foi quebrado quando o professor tossiu e falou num tom austero:

    - Cuidado, o chocolate dá suspensão.

    Antônio Carlos de Souza Spinelli
    Natal – RN

    Arraial do Cabo, bom até debaixo d’água

    Com suas águas claras, praias de areias brancas e vegetação de Mata Atlântica que visita o mar, Arraial do Cabo possui paisagens paradisíacas. No entanto, o que ainda somente uma menor parcela dos turistas se aventuram em desbravar, são as profundezas de Arraial num mergulho autônomo. O mergulho autônomo é realizado com auxílio de um cilindro de ar comprimido, podendo ser acompanhado de instrutor, num batismo sub-aquático para os iniciantes nesse esporte, ou não, caso tenha certificação para o mergulho livre.

    Também conhecida como a capital do mergulho, Arraial do Cabo possui uma biodiversidade marinha incrível, graças ao fenômeno da Ressurgência (afloramento de águas profundas, um pouco frias e ricas em nutrientes) propiciando uma variedade de animais marinhos, limpidez da água e grande visibilidade subaquática. O resultado desse mergulho é um cenário de muitas cores pelos diferentes corais e plantas subaquática, camuflando peixes ornamentais, cavalos marinhos e estrelas do mar, com estirões de cardumes de lulas, pitangolas, anchovas e diversos outros peixes passando a “meia água” na imensidão azul. E a depender do ponto de mergulho, arraias jamantas, garoupas, badejos e até alguns cações.

    São diversos os pontos de mergulho para iniciantes (batismo sub-aquático), destacando-se: A ponta Sul da Ilha dos Porcos, A enseada do Cação na Ilha do Farol e o Saco do Gato no Pontal do Atalaia. Para o pessoal que já tem experiência no mergulho todo o costão de fora da Ilha do Farol é perfeito, com destaques para o naufrágio da Fragata Thetis no saco dos Ingleses, a Gruta Azul e Camarinhas, e a Ponta do Oratório. Ilha dos Franceses e diversos outros naufrágios são pedidas para vários retornos a Arraial do Cabo para investidas nessa aventura.

    Algo muito importante a ser comentado, é que todo esse patrimônio natural na superfície e submarino é protegido por uma “Reserva Extrativista Marinha de Arraial do Cabo”, regida pelo Instituto Chico Mendes (ICMBIO) e irá continuar belo, limpo e preservado!

    Arraial do Cabo tem fácil acesso para o turista com aeroporto no Município de Cabo Frio (mas no seu limite territorial) a 10 km e 160 km da cidade do Rio de Janeiro numa pista duplicada. Portanto, aguardamos vocês para um mergulho nas suas próximas férias.

    Anderson Wilnes Simas Pereira
    Cabo Frio - RJ

    Já não presto mais para emergência

    Sendo médico, esse tema pode significar que não tenho mais nenhuma atuação nessa área. E é verdade, embora essa opção de não atender emergência eu já tomei quando ainda jovem. Depois de muitos anos trabalhando no antigo Hospital de Pronto Socorro e nas primeiras turmas da Unidade de Emergência, decidi que essa atividade seria interrompida. Até porque, nos tempos atuais, não existe mais nenhum motivo para um médico cardiologista ser chamado, por qualquer paciente, para atender a essa finalidade. Urgências e emergências devem ser atendidas nos locais próprios, seguindo protocolos determinados, e pelos profissionais que ali estão com essa destinação. Chamar médico em casa para atendimento emergencial é perder tempo, e tempo em cardiologia é vida.
    Essa certeza de que vamos perdendo algumas funções (especialmente o médico, que tem muita semelhança com os remédios que prescreve: tem prazo de validade) fui descobrindo por etapas. A primeira vez que senti o peso da idade foi quando me tornei avô. Não foi fácil lidar com essa coisa de morte e ressurreição. O surgimento da segunda geração (depois dos filhos) foi para mim motivo de desarranjo emocional, e tive que me “reprogramar” para não ficar depressivo (coisa para mim inimaginável).
    Um segundo momento que recordo ter produzido impacto no meu emocional foi quando visitando um querido amigo oftalmologista ele descobriu que eu tinha catarata em forma já avançada. Fui embora daquela consulta completamente arrasado (ou mesmo aniquilado). A sentença proferida de que estava com catarata, teve o mesmo efeito de um chute proferido naquele lugar (que podem ser dois). E nem fui lá para saber que tinha essa coisa, o motivo tinha sido uma epidemia de conjuntivite que acometeu quase todo o meu grupo familiar. Bem que ele podia ter me poupado dessa desagradável notícia – risos. E depois ainda espalhou, contando para minha mulher que passou a me cobrar a cirurgia de imediato.
    Agora, o definitivo foi o que me aconteceu na semana passada: estava voltando de São Paulo com meu colega de clínica (o Jassen), e no aeroporto ele sugeriu comprarmos a chamada cadeira conforto, que fica nas filas de emergência. Virou coisa comum as companhias aéreas cobrarem um diferencial para o passageiro que desejar estirar as pernas. Chegando ao guichê da companhia eu tirei o dinheiro e pedi que trocassem meu assento. A atendente abriu o computador, entrou nas minhas informações e depois sorrindo me disse: o senhor não pode mais viajar nessa fila de emergência por estar com mais de sessenta anos, e no caso de precisar manejar a porta o senhor não terá força suficiente. Foi assim como decretar a sentença definitiva: o senhor envelheceu e não presta nem mais para as emergências.

    Marco Mota
    Maceió – AL

    O verdadeiro valor da amizade

    Apesar das verdadeiras amizades estarem praticamente em extinção, me veio à mente de forma contemplativa fazer essa reflexão, que pode ser até de uma forma simbólica, mas emergiu fortemente do meu coração. Amigos de verdade, além de solidários, são extremamente sensíveis. Eles possuem uma sensibilidade incrível que não é outra senão, lagrimas que formam um feedback dos olhos com o coração.
    Portanto, lagrimas amigos, nos são necessárias para remendar nossas almas. Outras para levantar o nosso ânimo. Existem aquelas que ganham asas aos nossos sonhos. E ainda, as que revestem nossas ansiedades e nos ajudam a superá-las. Acredite você tem no seu interior, a colagem, a impregnação de cada um desses prismas. Para os amigos todos os dias são de festas, como nos demais, sempre com a mesa farta, o coração generoso, alma serena, o sorriso autêntico dos lábios. Que nossos passos embalados pelos ritmos dos anos dourados, nos conduzam à busca perene dos nossos ideais.
    Não devemos esquecer nunca, de que tudo que une as pessoas, somente a amizade é capaz, de estender as horas boas e encurtar as horas más.
    Encerro esse texto, vaticinando: as grandes amizades nunca morrem, porque elas se eternizam no coração, na alma e na mente daqueles que disfrutam um convívio fraterno.

    Fernando Lianza Dias
    João Pessoa – PB

    A (quase) morte do pinhão roxo

    Confesso que não sou (muito) supersticioso. Sou do tipo que ao ver uma escada na passagem de uma calçada, e as pessoas, disfarçadamente driblando-a para não passarem por baixo, a enfrento até como provocação.
    Agora (é fato recente), está me acontecendo uma coisa estranha, comecei a respeitar um pinhão roxo que nasceu perto da minha vaga de garagem. Logo que o descobri solicitei a Dona Loura (espécie de patrimônio da família) que o cortasse. Notei que o meu pedido (que sempre é atendido imediatamente) não foi realizado. Falei para a Inês que já havia solicitado a Dona Loura que cortasse o tal pinhão, e ela havia esquecido. A Inês, rindo, disse-me: “ela me falou sobre esse pinhão, e que não tinha coragem de cortá-lo porque sempre dá muito azar”. No dia seguinte notei que ela tinha arranjado uma solução diferente: havia amarrado o pinhão junto à parede, impedindo que ao entrar no carro ele me incomodasse. A solução parecia ter caminhado para um desfecho satisfatório, mas o danado do pinhão insistiu em crescer, e agora eu já nem conseguia mais entrar no carro.
    Então, chamei a Dona Loura (outra vez) e pedi: traga-me um facão que eu mesmo vou resolver o problema. Ela foi buscar o facão, e entregou-me com um olhar assim como que se desejasse me dizer: “doutor, se fosse eu não cortaria esse pinhão”. Por via das dúvidas, já de facão na mão, e me preparando para o corte, resolvi tomar outra decisão: a partir de ontem estou estacionando o meu carro de ré, e do meu lugar fico olhando o frondoso pinhão roxo, que continua crescendo e me desafiando.

    Marco Mota
    Maceió – AL

    A lenda


    Scheyla Ferro
    Aracajú - SE


    Caminhos do coração na literatura brasileira

    O antigo significado do coração e o contexto humano da medicina,do grande médico goiano e insigne mestre da cardiologia brasileira, Celmo Celeno Porto que tive a honra de conhecê-lo e privar de sua amizade,esta, advinda do meu saudoso e ilustre pai, Porto , em seu livro doenças do coração : Prevenção e Tratamento,um verdadeiro libelo no que ,se refere a abordagem humanista do médico e da medicina.O autor defende que a compreensão do paciente como ser humano inserido em determinadas circunstâncias socioculturais,fornece ao médico uma visão mais abrangente de sua própria atividade.Ele acredita que “ a medicina moderna não pode ser reduzida a uma profissão técnica “ .O texto referido mostra como diferentes civilizações e culturas,em diversos períodos da história,dotaram o coração de significados ,que transcendem o papel anatômico do órgão propulsor da circulação sanguínea. Dentro da proposta do doutor Celmo,mas nos restringindo aos significados simbólicos do coração dentro do universo literário,tentaremos aqui mostrar,como alguns escritores e poetas fizeram interessantes menções aquele que provavelmente é o órgão humano mais aludido e metaforizado pela literatura. O pernambucano Manuel Bandeira por exemplo,compara diretamente a cadencia e a vivacidade do seu verbo ao fluir sangue e ao batimento no coração – o ritmo interno do poema é marcado como os batimentos cardíacos : meu verso é sangue,volúpia ardente tristeza esparsa ... remorso vão ... doe-me nas veias,amargo e quente cai,gota a gota do coração .

    João Cabral de Melo Neto outro pernambucano, porém, poeta de diferente temperamento, compara o poema o relógio, ao coração como uma máquina interior. De dentro do homem, possuidora de uma vontade própria, uma bomba motor, Guimarães Rosa médico,escritor e diplomata mineiro também vaticinou ricos trechos metafóricos com o coração em sua vasta obra literária: “coração de gente,o escuro, escuros" (sertão e veredas). Ainda G. Rosa: “o coração cresce de todo lado,vive feito riacho colombiano,por entre serras e varjas,matas e campinas.Coração mistura amores. Tudo cabe". Rosa se refere a velha analogia e a faculdade de amar. Como epílogo dessas linhas, em que mais uma vez, procuramos enaltecer e exaltar o contexto humanístico da medicina, finalizamos dizendo, que todos esses usos e analogias que são muitas, acabam tornado-a mais eficiente para sua tarefa de revitalizar a cultura, recolher os milhares de nutrientes que o ictus-cordis pode oferecer para experiências individuais e enriquecê-las de inteligência, profundidade e saber.

    Fernando Lianza Dias
    João Pessoa – PB

    Lições de jazz para médicos


    “O jazz não é um o quê, o jazz é um como”
    Louis Armstrong


    Jazz é mais que um estilo musical, é a essência da liberdade representada pela improvisação. O primeiro disco de jazz, "Livery Stable Blues”, da Original Dixieland Jazz Band, foi lançado em 1917 e, por isso, neste 2021, comemoram-se os 105 anos dessa forma de fazer música que tem muito a ensinar a outras áreas do conhecimento, como a medicina. Foi o jazz que melhor sintetizou a arte do improviso, como resumiu o trompetista Miles Davis: “não se preocupe em tocar um monte de notas, encontre apenas as notas belas”. Na medicina, é fundamental conhecermos a teoria, incorporarmos as diretrizes e seguirmos fluxogramas de diagnósticos e tratamentos. Mas o verdadeiro dom da ciência médica está na arte da improvisação, na aplicação do conhecimento à imprevisibilidade da apresentação clínica, na capacidade de decidir a melhor conduta em cada caso, como a escolha das boas notas no jazz.

    Surgido a partir do blues, ragtime e “spirituals”, em New Orleans, no início do século XX, o jazz é hoje universal, fruto da incorporação de diversos estilos, culturas e influências musicais. A formação de grupos, muitas vezes heterogêneos, é outra lição que o jazz ensina à medicina. Assim como o próprio Miles Davis que, em “Kind of Blue”, reuniu bambas como Bill Evans, John Coltrane, Julian ‘Cannonball’ Adderley, Paul Chambers e Jimmy Cobb, bandas de jazz são exemplos de personalidades diferentes que formam equipes coesas, como no tão atual conceito de “Heart Team”, onde o coletivo possibilita o alcance do melhor resultado, sem ocultar os talentos individuais.

    Músicos de jazz, muitas vezes se comunicam simplesmente pelo olhar. São sinais que determinam movimentos complexos como mudanças de andamento ou da dinâmica da música, passagens à outra parte do tema ou mesmo a deixa para o improviso. Pois é a percepção do olhar um dos maiores segredos dos médicos brilhantes. Compreender o que está além das palavras, oculto nos gestos ou na expressão facial é considerado o estado da arte em nossa profissão.

    Ritmo, harmonia e melodia, elementos fundamentais da música, são também regras da natureza encontradas no corpo humano. E, desta vez, é a arte que imita a vida. O coração marca o compasso, mas precisa estar em harmonia com os outros instrumentos da orquestra - pulmão, rins, cérebro, fígado, artérias e veias -, para manter a cadência e, como um maestro, conduzir a melodia da vida.

    São muitas as interfaces entre o jazz e a medicina. Mas a principal lição que o jazz nos ensina é que o bom improviso resulta de diferentes qualidades a serem desenvolvidas: criatividade, talento, integração, experiência e conhecimento.

    Marcus Vinícius Bolívar Malachias
    Belo Horizonte - MG

    Lamento de um aparelho de medir a pressão

    Cansei! Hoje não trabalho para ninguém, não insistam. Vou dobrar o meu manguito (cruzar os braços), e tentar com esse meu “silêncio” expressar o que se passa com o meu interior. Não suporto mais tantas insuflações e desinsuflações, tantos apertos e tantos afrouxamentos, tantas viagens de lá para cá e de cá para lá, às vezes dentro de malas apertadas e, muitas vezes, até debaixo do braço de algumas pessoas que se utilizam diariamente de meu trabalho. Trabalho todas as horas do dia e, durante à noite, nos hospitais de emergências fico mais cansado por ter que registrar pressões sempre mais altas. Também fico triste por perceber que o meu trabalho nos dias normais, nos consultórios, parece em vão.

    Ainda assim, mudei de ideia, e como sou obstinado, não vou ficar em casa descansando. Foi apenas hoje. Amanhã estarei de volta. Desculpem o meu desabafo. Enquanto eu souber que milhões de pessoas, nem sabem ser hipertensas; outros milhões, que mesmo diagnosticadas, nem se tratam; e, outros milhões, que mesmo se tratando, não estão controladas, vou continuar trabalhando, embora cansado (desanimado nunca). Alimento um desejo, de que no futuro o meu trabalho diário seja mais bem valorizado, melhorando o conhecimento, o diagnóstico e o controle da hipertensão arterial, no país que escolhi para viver e trabalhar.

    Marco Mota
    Maceió - AL

    O coração e a música

    O coração é o motor da vida e o mais musical dos órgãos do corpo humano. Tem seu ritmo próprio, batendo a uma incrível cadência de 100 mil vezes por dia, um moto perpétuo. Seu ritmo é o próprio compasso da vida, ora mais rápido para acompanhar o presto do dia a dia ou mesmo o allegro assai vivace da emoção de um beijo. Mas o coração também sabe entoar um adaggio quando é hora do acalanto ou um largo maestoso quando chega o sono ao fim do dia.

    É curioso pensar que o coração começa a bater com poucas semanas de fecundação, ainda no útero materno, e nos acompanha até os últimos arpejos da vida, indo muitas vezes até além do nosso fim, pois pode ser transplantado levando a música da vida a outra pessoa. O coração é um órgão tão mágico que mesmo doente, continua a tocar a sua melodia, muitas vezes sem nos dar notícia que a orquestra de seus milhões de células está sem fôlego. Às vezes revela suas aflições por meio de sopros, como flautas e oboés. Outras vezes nos faz sentir suas batidas, como atabaques e tambores.

    Seus sintomas e suas dores se confundem com a angústia, com os suspiros de emoção, revelando a razão de utilizarmos o símbolo do coração para representar a vida, o amor e os sentimentos. Quantas lindas palavras surgiram a partir dele: cor, coragem, acordar, recordar, cordialidade e até acordes, a combinação de notas que fazem a harmonia de todas as músicas que existem.

    A música do coração nos acompanha por toda a vida. Se é com alegria que celebramos as primeiras batidas de um coração anunciando a chegada de uma nova vida, é com tristeza e comoção que recebemos a notícia de que após trilhões de pulsações, o coração encerra a sua melodia. Mas há quem, como eu, que acredita que a música do coração nunca se cala, pois quando isso acontece perde uma só letra e se transforma em oração.

    Marcus Vinícius Bolívar Malachias
    Belo Horizonte - MG

    Sinto Muito!

    Sinto Muito!
    Parece fácil, mas como é difícil proferir estas duas palavrinhas no momento certo! No tempo preciso em que seu efeito pode causar somente o bem! Regenerar o que se está perdendo, por orgulho, soberba ou mesmo pela famigerada inveja que muitas vezes predomina apenas para não deixar alguém prosperar!! Como os sentimentos de seres humanos podem descer tanto, e a tão baixo nível quando se deixam dominar por tão espúrios modos de sentir, e mesmo assim continuarem sendo seres humanos! Frequentemente recebo pessoas que envelheceram, mas carregaram por toda a vida a mágoa, a culpa e aridez de quem nunca exerceu o perdão, ou que nunca ao menos o solicitou!

    Quantas vezes estas pessoas, deixaram passar a oportunidade da reparação, a possibilidade de zerar suas contas afetivas e seguirem mais leves por esta vida de Deus?! Olhar o próximo e dizer sinceramente, sinto muito se o que fiz te causou esta mágoa, não o fiz com esta intenção, não sobressai para te diminuir, e sim para tentar ser digno de tua atenção! Não foi para dividir e sim para somar e crescermos juntos, para que possamos merecer aquilo porque lutamos! Sinto muito se dei a impressão de não estar notando seu sofrimento, não quis foi amplificar a tua dor, para que ela passasse logo e tu se restaurasse! Sinto muito se estive ausente quando você mais me precisava, mas corria carregando cobertores para aquecer teu frio, quando o inverno chegasse, embora quando ele chegou já não estávamos mais próximos e não pude te passar meu calor!

    Sinto muito se não te fui receber na porta com um sorriso, pois quando chegaste não ouvi teus passos ou não fui devidamente avisado da tua presença! Mas gostaria muito de te ter acolhido e efusivamente comemorar nosso reencontro e não deixar tanto assunto pendente! Como saber? Se há tanta distância entre intenção e gesto!

    Deixamos o tempo passar e esperamos que a ficha caia no outro para que ele nos fale sobre o perdão antes de nós mesmos tentarmos resolver nossas diferenças, devido intolerância, preconceito, orgulho, ou mesmo por julgarmos que não somos responsáveis pelos atritos, e sim o outro que está a nos causar tantos infortúnios por sua desatenção, nunca somos nós o responsável.

    O tempo passa, a idade chega e com ela a certeza ou ao menos a forte suspeita que estávamos a perder vida remoendo sentires que já poderiam ter sido devidamente gerenciados, apenas porque não fomos humildemente capazes de proferirmos esta simples e singela sentença eu sinto muito! O envelhecer traz a têmpera, porém também fragiliza, e quando mais tarde vem a solidão, junto vem a colheita do cultivo dos sinto muito plantados na juventude. Se a prática foi da gentileza, os frutos terão o açúcar do gentil, nunca de subserviência, mas do coroamento da convivência profícua, em detrimento da ranzinzice inóspita da teima, do nunca perdoar, para nunca perder a questão! Como se viver fosse um concurso de quem tem razão, e não um confluir das mais diversas posições, as quais juntas serão responsáveis por conduzir ideias, formadoras de ideais que darão rumo ao pensamento! Escolher como envelhecer, com menor sobrecarga emocional, tornando um projeto mais leve, passa obrigatoriamente pelo exercício diário do perdão. Quando brigar para sempre, que seja tão rápido quanto magoa de criança!

    Comece se perdoando e dizendo eu sinto muito pelo tempo que perdi até aqui e tente recuperar, inicialmente com quem está mais próximo a você e vá progredindo numa espiral centrífuga, ou seja do centro para fora e expanda as últimas consequências este exercício. Até que um belo dia, não sei após quanto tempo, ele retorne a você. Não é fácil, mas também não é impossível!

    Mágoa envelhece, raiva dá ruga, o ranço do rancor enrijece as artérias, por perpetuação do stress! Viva sem fazer força! Suavize-se! Pense nisso, talvez você não rejuvenesça, mas que se sentirá bem mais leve, isto é certo! Sinto muito se cometi este texto., vá perdoando!

    Mariano Sepúlveda
    Natal – RN

    A Banda Morta

    Era, simplesmente, oval. Com o passo largo e firme sobre os adidas, sentia não poder se desvencilhar da gravidade. Ainda assim, insistia. Sempre fora acostumado a correr os dez quilômetros que traçava como meta diária e, satisfeito, ultrapassava a linha de chegada aliviando a pegada. Curvava-se com as mãos aos joelhos e deixava as águas de seu corpo banharem a terra. A alegria do dever cumprido. Os dias eram assim, e João sempre tocava a mesma fronteira. No Dia de Reis do ano 2297 do Nosso Senhor, protegido por Órion e iluminado pelo satélite zeloso e por todos os pulsos de outrora, seguiu em linha reta. Alternou o poder dos calçantes alados à persistência de sua mente; acelerou o quanto pôde e também caminhou nos momentos de exaustão. Seguindo sempre sua sombra adiante, que com a lua a pino jamais se desfigurou, imaginou-se um cavaleiro rumo à derradeira batalha: com a espada embainhada e o fácies de ira e pavor, se jogou. Desacelerou e caminhou, esgotado. Mais uma vez, com as mãos sobre as rótulas, inclinou o olhar levemente para o pulso esquerdo: correra vinte quilômetros e noventa e sete metros. Na calçada, três jovens ainda se encantavam com a ludoterapia: um grande tabuleiro vermelho e um objetivo – terraformá-lo. Quando entrou em casa, soubera da notícia. Tudo se repetia. Lembrou-se das longas conversas no alpendre. A brisa sertaneja acariciava os cabelos e eriçava os pelos do corpo, mas seu maior efeito era permitir o registro das noites de luar nas partes mais vivas da memória.

    O seu Pedro, um homem simples, jovial e prestativo, sempre teve muitos amigos. Com eles, conheceu terras do horizonte sem fim e enamorou-se de belas moças que conheceu pelo caminho. Encantava-se facilmente pela centelha do afeto, e quando este foi menos profundo e, por isso mesmo, mais sadio, coabitou dona Geni. Foi a sagração da incessante primavera. A marca no eterno veio por meio de quatro herdeiros, todos com a mesma simpleza estampada na alma. Por quarenta dias sofreu seu pai, vítima de uma febre inacabada, que o queimou mesmo depois do fim; a precariedade no cuidado com a saúde derrubara um corpulento homem nos idos de seus incompletos cinquenta anos. Vinte anos após, a tristeza tingiu-se em negrito. Numa silenciosa manhã de verão, o vácuo se desfez quando sua mãe encontrou o chão: uma banda morta. Pedro e seus irmãos sempre a arrumavam com roupas floridas e nunca a deixavam escondida nas profundezas dos calabouços da casa. A pureza do arrebol era sempre contemplada do passadiço. Numa noite chuvosa de inverno, ela ainda teve forças para girar o rosto para o lado. Murmurejava e se tumultuava. Gotas reluzentes aguaram o leito do dedicado companheiro. Fora o termo. Muitas foram as estações. Aos poucos, seu Pedro sobrava. Foram-se seus irmãos; foi-se sua Geni. Ele resistia, ou apenas durava. Um osso de sua coxa se partira, e ele não pôde mais subir na casa. Uma névoa branca diante de sua vista foi ligeiramente contornada. Ficara melancólico por não conseguir mais ouvir seus netos nas tantas vezes em que o visitavam. O tempo todo, no entanto, parecia sentir sua amada no sopro que balançava as folhas da mangueira na calçada. Com o orvalho, o bálsamo das flores de Geni inundava o seu faro. Quando a tia de João pediu presteza, todos foram ter com ele. Pandora, a cadela mais forte do mundo, nos seus longevos dezoito anos e já com escudos brancos no lugar dos olhos, conta-se, dirigiu-se à cama de seu Pedro. Quando João entrou no quarto, encontrou o homem e o animal repousando sobre o leito. Ao redor, todas as tralhas de uma vida. Sob as mãos de seu Pedro, a moldura e o vidro – ele na cadeira de rodas, alguns filhos, netos e bisnetos, todos sorrindo enquanto se banham no mar. Ao erguer o porta-retrato, uma foto sobre o leito: uma jovem professora com traje de gala e uns escritos evanescentes. Com muito esforço, lê-se: ‘Pedrinho, eis essa pose de sua menina saudosa, para que possa estar sempre pertinho de você. Geni. 17/12/1949.’ Seu Pedro e Pandora ainda repousavam. Não deu tempo.

    Esta história fora contada diversas vezes por seu avô, que enfim se fora. Num grande sentido, é muito semelhante à sua própria. Mas um homem deu entrada na UTI. Parada cardíaca? Às quatro da madrugada, um médico, uma enfermeira, um fisioterapeuta e três técnicos de enfermagem correm para socorrê-lo. Não desistem. Revezam-se na massagem sobre o peito. O farmacêutico sempre reabastecia o carrinho de parada no início de cada plantão. Após mais de trinta minutos de procedimentos de reanimação cardiopulmonar, incluídos três choques do desfibrilador, o pulso voltou. Foram solicitados alguns exames de sangue, que foram coletados e conduzidos ao laboratório, onde duas bioquímicas trabalhavam para acelerar o resultado. Contaram-se sete bombas de infusão, divididas a cada lado do leito do moribundo. O médico se dirigiu à sala de espera das visitas. Diante de duas filhas, apertou firmemente o ombro de uma delas e, olhando-a nos olhos, disse que tinha dado tudo certo. Ambas choraram de alegria e não paravam de agradecer ao jovem médico. Ele pediu licença e disse que teria que voltar a cuidar do pai delas. Ao se dirigir ao leito, passou por uma das janelas da unidade. Lá, longe, as nódoas vermelhas do esboço da alvorada. Por quanto tempo mais resistiria o homem? Ele nem hesitou, insistindo no cuidado. Bem sabia que a esperança é a única fronteira humana. Em um telejornal da manhã, as primeiras casas cobrem Marte.

    Em homenagem a meu avô, Pedro Gurgel dos Santos.

    João Paulo Gurgel de Medeiros
    Mossoró - RN

    Noturno a dois

    Sob o som do Noturno de Chopin vislumbro o balouçar suave dourado dos campos de trigo...
    A música me embala lentamente e os pensamentos voam...
    Em confronto com o amarelo-ouro, desponta um céu azul celeste que me enternece o olhar...
    Vejo-te ao longe em meus sonhos...em tempos já distantes...
    A melodia transcorre e no emergir dos seus acordes relembro o sabor do teu beijo...
    Abraça-me em meio ao campo e o dourado do trigo se faz leito...Arrebata-me em amor cataclísmico e transporta-me ao céu...
    Sob acordes de um tempo vivido, não mais volteio em teus braços...não desatas de meus cabelos o frouxo nó da fita de cetim...nem sob minhas anáguas insinua tua mão atrevida...
    Já não te tenho ao pôr-do-sol durante o chá... nem amas comigo a primeira orquídea da estação...
    Mas, eternizaste em mim, tanto o amor quanto o Noturno...deixando-me repleta em tua ausência...Legaste-me o grande tesouro das lembranças...
    E enquanto crescer o trigo nos campos, ainda estarei aqui... não mais jovem e bonita ... mas serena...até nosso encontro maior...em paz...

    Scheyla Ferro
    Aracajú - SE

    Um privilégio e uma aventura

    Assim termina a carta de despedida de um dos maiores pensadores da neurociência de
    nosso tempo, autor de best-sellers, como O homem que confundiu sua mulher com
    um chapéu e Tempo de despertar, sucesso do cinema, com Robert de Niro e Robin
    Williams, nos papéis principais, entre muitos outros títulos, Oliver Sacks, coroou sua
    passagem pela efeméride deste projeto chamado vida, com uma ode ao período que
    lhe foi concedido. Começo de onde ele terminou para fazer aquela incomoda
    pergunta, que repito aqui vez por outra, o que andas fazendo para tornar sua estada, melhor, mais motivante, mais profícua?
    Quão bem fizeste hoje, que possa ter te deixado mais leve? O que doou de seu, quanto de peso de tuas posses abriste mão para aliviar a carga da caminhada?
    Quais movimentos tens feito, para tornar sua vida um privilegio e uma aventura?
    Aproximou-se de seu filho ausente, perdoou aquele irmão com quem estivesse intrigado, chamou sua nora para conversar? Perdoou a si mesmo das lides diárias?
    Quais gestos tem te aproximado e quais tem te afastado, dos outros e de você mesmo?
    Seu caminho tem sido ético, ou isso é adjetivo para ser cobrado apenas dos outros? Tem levado vantagens ou tem praticado a justeza?
    Fez uma viagem? Uma árvore ou livro, um projeto por alguém?
    Dedicou algum tempo a um voluntariado?
    Quando vejo pessoas que envelhecem, me pergunto, de que forma estão encarando
    essa jornada, como recebem o ônus de envelhecer, qual bônus valorizam para equilibrar essa equação?
    Sempre há algo, que possamos valorizar e contrapor a inexorabilidade da idade.
    A sabedoria e a paciência, vejo como o grande prêmio da maturidade. A frugalidade, em todos os sentidos, fazer mais com muito menos, a começar dos proventos é outro atributo
    que adoro reparar, a sagacidade, quando captam em uma contração de face toda
    a informação, a antevisão premonitória dos mais sensíveis, enfim é só reparar que tem muito bônus.
    Difícil é quem atravessa a cancela dos gerontes, reparar coisas boas sob avalanche de
    achaques. Muito mais difícil é promover equilíbrio, em desvantagem, com sofrimento
    e dor.
    O exemplo de hoje foi um pioneiro em seu tempo, homossexual de tempos primordiais, quando já era difícil viver, que dirá se assumir, lutou
    desde cedo com o preconceito
    aberto da própria mãe contra sua opção. Investiu decididamente nos estudos da
    neurociência onde foi um expoente. Finalmente vítima de uma recidiva de um câncer, nos brinda com a gratidão daqueles que saborearam essa
    existência até seus últimos
    momentos, quando poderia estar se lamentando e queixando da má sorte.
    Importa nos momentos em estamos a fraquejar, achando nossas dores superiores as de outros, e assumimos o protagonismo do sofrer.
    Passamos muito tempo a cuidar do próprio umbigo, reparando muito pouco com as
    lides alheias, com nosso projeto de bem fazer, ou bem viver!
    Sofremos da necessidade da posse, e da autoria da opinião, quando o que realmente
    importa é a divulgação e o compartilhamento de idéias e ideais.
    Angustias vãs!
    Passaremos.
    Fração literal: “Nos últimos dez anos mais ou menos, tenho ficado cada vez mais
    consciente das mortes dos meus contemporâneos. Minha geração está de saída, e
    sinto cada morte como uma ruptura, como se dilacerasse um pedaço de mim mesmo.
    Não vai haver ninguém igual a nós quando partirmos, assim como não há ninguém
    igual a nenhuma outra pessoa. Quando as pessoas
    morrem, não podem ser substituídas. Elas deixam buracos que não podem ser
    preenchidos, porque é o destino - o destino genético eneural - de cada ser humano
    ser um indivíduo único, achar seu próprio caminho, viver sua própria vida, morrer sua
    própria morte.
    Não posso fingir que não estou com medo. Mas meu sentimento predominante é de
    gratidão. Amei e fui amado; recebi muito e dei algo em troca; li, viajei, pensei e escrevi.
    Tive uma relação com o mundo, a relação especial de escritores e leitores.
    Acima de tudo, fui um ser senciente, um animal pensante nesse planeta
    maravilhoso e isso, por si só, tem sido um enorme privilégio e aventura.”
    Alguém que com seus dias contados, evita se lamuriar, e agradece observando e
    ensinando o que consegue antever, deve no mínimo ser pensado como um orientador
    nessa tese infinda que se chama viver.
    Qual o tamanho de sua aventura?

    Mariano Sepúlveda
    Natal – RN

    A busca do sol


    Scheyla Ferro
    Aracajú - SE


    Por onde viajam os sonhos

    Certo dia recebi de uma prima já falecida (Geila), uma série fotográfica documentando uma visita realizada por ela e minha tia Marinalva, ao local de origem da família Bezerra Mota. Para ser mais preciso, esse local fica nas vizinhanças da Usina Sinimbu. Não havia marcas concretas que configurassem parte da nossa história. Vagas lembranças, que surgiam da privilegiada memória de tia Marinalva, determinavam o click da máquina fotográfica, e assim, o registro foi sendo realizado. O local está todo mudado. Antigas casas de moradores foram destruídas, e, no mesmo lugar, outras edificações foram erguidas. Até o local preciso onde a minha avó (falecida muito jovem, aos 38 anos, de um mal que ainda hoje atinge muitas mulheres – morreu durante um parto sem assistência médica) está sepultada, não possuía nenhuma marca, apenas a informação de que seria perto do “inglês” (um químico, falecido quatro anos depois, personagem importante sepultada naquele pequeno cemitério).
    Num primeiro momento olhei para aquelas fotos sem dar muita importância, como se elas não tivessem nada a ver comigo, e nem com a minha história. Depois, fui me interessando pelo relato de minha prima ao retratar a presença do mesmo Barracão, e do local onde funcionava a Escola onde (quem sabe) a minha mãe tenha aprendido tudo que a ajudou a ser a mulher que foi. A partir desse momento passei a olhar para as mesmas fotos, pelas quais tinha passado apressadamente, mas agora com outra visão, a de um participante dessa mesma “viagem” em busca da reconstrução de nossas origens.
    Parece incrível, mas foi como se o cheiro da terra molhada e o barulho dos carros de boi, de repente, fizessem parte do mesmo cenário.
    Parei por vários minutos diante da foto que mostrava um pedaço de chão batido (como se ali já tivesse existido uma pequena edificação), e a indicação de que a casa onde a minha mãe nasceu ficava ali por perto. Não precisava mais de outra informação. O simples fato de saber que foi ali por perto que a dona Anita nasceu já fora suficiente para que uma saudade danada tomasse conta de mim, e a vontade que tive foi de um dia também fazer essa mesma viagem, que a minha prima fez, somente para beijar aquele chão por onde um dia minha santa mãe, descalça, passeou.

    Marco Mota
    Maceió - AL


    A busca do sol


    Scheyla Ferro
    Aracajú - SE


    O tênis na minha vida

    Aos 8 anos de idade tive o grande privilégio de ser apresentado ao jogo de tênis. Na época, meu pai iniciava a migração de sua atividade esportiva, do apaixonante futebol, para a prática do tênis. Mas isso tinha uma base, pois seu grande amigo e meu padrinho iniciava um projeto audacioso em Brasília famosa Academia de Tênis de Brasília. Logo vi meu pai se dedicando plenamente ao seu novo esporte. Sempre tentando achar uma brecha na sua agenda apertada de médico para poder fazer algumas aulas e jogar com seus amigos. E logo em seguida me levou junto com ele. Comprou todo material, melhores professores e tinha uma paciência inesgotável para “bater “uma bolinha comigo e até jogar alguns sets, que eu sempre vencia, e percebia a facilidade com que meu pai me permitia em vencê-los, para manter minha motivação no novo esporte. Minha cabeça ainda estava no futebol. Ao longo dos anos, fui aprendendo, e porque não dizer, fui sendo educado também pelo tênis. Percebi que se tratava não só de um esporte mas, também de um estilo de vida. Respeito, silêncio e concentração são fundamentais. Jogar sem camisa era um absurdo e estender gentilmente as mãos ao seu adversário, mesmo que derrotado, era uma obrigação. No tênis você aprende a resolver seus problemas sozinho. Não tem técnico para te auxiliar. Na hora do jogo você lida com seus erros e aprende a vibrar com seus acertos. Não consegui durante a adolescência me manter assíduo no esporte, pois os estudos e outras modalidade esportivas como o futebol e o polo aquático acabaram me fazendo perder um pouco do meu interesse pelo tênis. Após a minha formatura na faculdade de medicina e retorno para Brasília em 1995, voltei ao tênis com grande dedicação e me apaixonei definitivamente por esse magnifico jogo. Participei de diversos torneios amadores e acabei vencendo alguns, que me renderam alguns troféus e viagens para resorts. Hoje minha maior alegria no tênis é poder dividir a quadra com grandes amigos e desfrutar um bom bate papo após os jogos, onde as risadas estão presentes e belos vinhos são degustados. A comunhão com os amigos após os jogos é fundamental. Também já tive a sorte de poder assistir torneios internacionais no Brasil e no exterior. Roland Garros em PARIS é simplesmente fantástico! Uma experiência sublime para os amantes do tênis. Tive o grande privilégio de ver meu filho Rafael se interessando aos 8 anos pelo tênis e até os 15 anos participou de vários torneios pelo Brasil, chegando a alcançar o terceiro lugar no ranking nacional quando tinha 13 anos. Hoje, aos 16 anos, joga apenas por lazer mas já não consigo pegar mais o saque do rapaz. Nos últimos meses tenho visto minha filha de 18 anos voltando a treinar, pois também teve a oportunidade de conhecer o esporte quando tinha 10 anos. Percebi que o tênis nos deixa um legado. Como já falei, respeito ao adversário, ética dentro da quadra, amizades construídas dentro e fora das linhas e também uma forma de buscar um aprimoramento físico e mental. Viva o tênis! E que Deus me permita usufruir ainda de vários momentos dentro das quadras com grandes amigos.

    Renault Mattos Ribeiro Júnior
    Brasília - DF


    Já fui legista

    Ainda Governador do Estado de Alagoas, meu cunhado Divaldo Suruagy, despertou-me com um telefonema. Disse-me ele: preciso que você vá comigo no bairro Vergel, para atestar um óbito. Como não sou legista, e ainda acordando, pedi-lhe que me explicasse sobre o ocorrido. Então, vamos ao acontecido: um cantor das noites alagoanas, muito conhecido de todos, havia falecido na madrugada, no antigo Restaurando do Alípio. O garçom, quando arruma as mesas, achou que ele dormia e tentou acordá-lo, tocando em seu ombro. Para seu espanto o corpo desabou, e o cantor estava morto. Féretro montado em sua casa, e logo na manhã seguinte o Suruagy recebeu um telefonema da viúva, contando sobre o ocorrido, e pedindo ajuda. Achavam que ele não havia morrido, porque estava quente, e suando muito. Já acordado, pude perceber que não havia como negar aquela solicitação. Aprontei-me, coloquei o jaleco, e pendurei o estetoscópio ao pescoço. Carro oficial na porta de casa, e lá vamos nós para essa difícil (e fúnebre) missão. Ao chegar na casa onde acontecia o velório, todos me aguardavam para o veredito. Entro naquela diminuta sala cheia de gente, toda atenção voltada para mim (Suruagy, que não gostava de enterro, nem saiu do carro). Coloco o estetoscópio no peito do defunto, procuro pulso nas carótidas, olho as pupilas, e me volto para viúva, dizendo solenemente: infelizmente, o morto está morto.

    Marco Mota
    Maceió - AL


    Mãe só uma

    Era setembro de 1956, estava completando 06 meses que Waldemar chegara ao Rio de Janeiro. Deixou para trás sua querida cidade lá no interior do Ceará e veio para ingressar na gloriosa Marinha do Brasil como fuzileiro naval.
    Ele estava impressionado com a grandiosidade e com os encantos da cidade maravilhosa, mas a verdadeira paixão do Waldemar eram as noitadas. Sempre regadas com muita música, cerveja e mulheres. Como apareciam ofertas em profusão, ele não conseguia ficar sossegado. As folgas que tinha na escala de serviço eram muito poucas para o número de tentadores convites que recebia. Começou então a imaginar maneiras de obter um maior número de dias livres. Já o tinham alertado que todo cuidado era pouco com o comandante do grupamento onde ele era lotado. Falavam sempre que ele era uma pessoa muito afável, mas, se um comandado seu agia de forma incorreta e não era mais digno da sua confiança, ele se transformava num ser implacável, extremamente rigoroso. Deste momento em diante o trapaceiro não tinha mais paz, era premiado com as piores escalas de serviço e outros castigos.
    Waldemar mentira uma vez, solicitando uma folga com a justificativa que seu pai havia morrido.
    Passado uns quarentas dias arriscou novamente e repetiu essa justificativa. Mais uma vez o comandante com um ar de consternação, prontamente concedeu outra folga para o nosso amigo.
    Waldemar ficou convicto que poderia tapear quantas vezes quisesse seu superior, concluindo que ele não era tão esperto assim.
    Outra festa coincidindo com um plantão de final de semana. Waldemar usou o mesmo subterfúgio, só que desta vez comunicou o falecimento da sua genitora. Folga concedida. Waldemar ficou feliz da vida, a farra estava garantida. Estava cada vez mais confiante e acreditava que tinha o poder de ludibriar facilmente o comandante.
    Veio então o inesperado, um convite para uma grande festa. Um evento quente lá para as bandas do Encantado. Noitada imperdível, tipo da festa onde tem muito de tudo. Waldemar não pensava em outra coisa e lá se foi falar com o comandante.
    Como já tinha matado o pai duas vezes e a mãe apenas uma, ele repetiu a desculpa do falecimento da sua amada mãe.
    Ficou muito assombrado com a reação do comandante. Com a face pletórica e ar colérico ele anunciou a prisão de Waldemar, que desesperado ainda tentou inutilmente argumentar, quando ouviu seu superior bradar furioso:
    - Meu filho, pai você pode ter muitos, mas mãe, só uma!

    Antônio Carlos de Souza Spinelli
    Natal - RN


    Arrancando as raízes

    Em outras prosas já falei de um retrato que tenho em meu consultório onde registro a última foto de minha família completa. Nela, aparecem os dois filhos menores, que são gêmeos, ainda bem pequenos (deviam ter naquela oportunidade menos de um ano). Os clientes mais observadores olham para a foto e exclamam: “que família grande, doutor!”. Em seguida, perguntam: “os pequenos já são os netinhos?”. E eu respondo que não (apesar de parecerem), que ainda são filhos, os meus caçulas. Depois, vem o espanto maior quando se atrevem a contar: “puxa, doutor, são dez mesmo?”. Em seguida, vem a colocação bastante comum: “a sua esposa não deve ter outra ocupação por conta dessa enorme tarefa diária, não é mesmo?”. Quando afirmo que a minha esposa também é médica, e trabalha fora tanto quanto eu, a confusão aumenta e ficam perplexos.
    A minha última conversa foi com uma paciente que tinha um único filho com seis anos de idade. Ela, depois desse diálogo inicial, revelou-se surpresa, e disse não entender como administraria esse tipo de realidade. Disse-me que esse filho absorve todo o seu tempo (sufoca mesmo), e agora havia mudado de um apartamento para um sítio só para ele ter mais espaço e uma vida mais em contato com a natureza. Falou-me, em seguida, na super proteção que exercia sobre o seu único filho e, no final, revelou-me um detalhe que me motivou a fazer essa prosa: “doutor, a minha última providência foi mandar arrancar todas as raízes que havia no sítio para que o meu filho não se machucasse”. Depois, perguntou-me: “o senhor teria esse mesmo tipo de cuidado?”. Eu, dando um sorriso, respondi-lhe que não, e completei dizendo-lhe que até deixaria que ele levasse boas quedas e proveitosos arranhões. Notei que ela ficou chocada com a minha afirmação, e para que entendesse a minha conduta, procurei explicar-lhe o porquê, perguntando-lhe: e quem irá arrancar as “outras raízes” (causadoras de tropeços) que a vida, certamente, colocará na frente de seu querido filho?
    Marco Mota
    Maceió - AL


    Muita borracha e pouco lápis

    Recebi de um amigo irmão que mora em São Paulo (uma figura que admiro bastante por enxergar nele mais acertos do que erros), um pensamento exemplar que diz o seguinte: “sabemos que estamos errando muito, quando gastamos mais borracha do que lápis”. Esse pensamento permite refletir sobre os meus conceitos atuais de valores, principalmente o da honestidade, quando me coloca na condição muito mais de usuário da borracha do que do lápis. Quando falo em desonestidade, não estou apenas fazendo referência à prática da contravenção notória, para ela existe a polícia e a justiça (ou pelo menos devia existir), e borracha nenhuma apaga. Refiro-me sim, aos pequenos atos de desonestidade que cometemos diariamente, quando apenas está em jogo a nossa reputação pessoal. Refiro-me aos que não provocam danos graves aos outros, mas que, se pudéssemos juntar de forma cumulativa no dia-a-dia de nossa existência, certamente, faltaria borracha para apagá-los. Coloco todos os meus erros na cesta da desonestidade, porque são, quase sempre, voluntários, refletidos e repetidos, o que de forma inconteste vão de encontro às minhas convicções e, por isso, são desonestos. Falo das pequenas omissões, dos preconceitos emitidos, das mesquinharias, das traições, das leviandades, e das negações do Absoluto. Como apenas ficar, de vez em quando, fazendo reconhecimento de culpa não constrói mudanças, vou procurar assumir um compromisso de passar a registrar os meus erros à tinta. Não desejo com isso dizer que não terei mais chance de apagá-los, mas, quem sabe, a dificuldade para removê-los servirá para sinalizar, de forma mais contundente, que estou usando muita borracha. Marco Mota
    Maceió - AL


    Escola de Vela

    De uma instigante dúvida: Como um cenário tão deslumbrante como o litoral do Arraial do Cabo- RJ, com suas praias de areias brancas e águas cristalinas não tinha uma cultura da vela? Com esse paradigma e o desejo de criar, ou seja, renascer a cultura da vela em sua região, uma vez que as antigas barcaças de sal e canoas de pescaria eram impulsionadas pelo vento, antes da facilidade dos motores a combustão, o cardiologista Anderson Wilnes criou no dia 19 de julho de 2019 a escola social de vela "Filhos do Vento" para filhos e netos de pescadores dessa localidade. A guarderia de barcos, assim como as aulas de iatismo acontecem nas areias e águas da Praia dos Anjos, é uma "escola raiz", dentro de uma reserva extrativista marinha e o esporte a vela está inserido nesse contexto pois é um esporte não poluente, aguça os nossos sentidos, a percepção do vento e maré, um esporte que integra o conjunto homen-barco-natureza. Em seu entusiasmo com sua equipe, disse o médico: "Essas crianças nasceram para a vela e não sabiam disso! Seu quintal sempre foi o mar, não tem medo de ventos fortes ou mar aberto, embora expressem um profundo respeito por ele. É fantástico ver o rápido desenvolvimento deles na vela." O resultado disso vieram nos torneios e regatas. Em menos de 1 ano trouxeram a 3ª colocação geral para Arraial do Cabo dos jogos abertos do escoteiro do Mar na Ilha de Mocanguê, Rio de Janeiro (título inédito). Mas o mais surpreendente veio poucos meses após na Regata do Marinheiro, organizada pela Marinha do Brasil de São Pedro da Aldeia, uma regata regional.
    1' lugar Optimist Geral - Brenda
    1' lugar Optimist Feminino - Brenda
    1' lugar optimist masculino - Wagner
    2' lugar optimist masculino - Paulo
    3' lugar optimist masculino - Gabriel
    3' lugar optimist infantil - Flávio Daniel
    1' lugar Dingue Geral - Daniel
    Eles não somente foram vitoriosos nas águas, mas na vida! Essas crianças continuam velejando em sua maioria, fizeram o curso intermediário de vela, se aperfeiçoaram na Confederação Brasileira de Vela e se tornaram monitores voluntários da nossa escola e após quase 2 anos juntos, já percebemos eles focados nos cursos técnicos, em universidades e pensando no seu futuro, mas alguns querem ser velejadores oceânicos e atravessaremos juntos esse oceano Atlântico, se Deus quiser... Com o princípio de fazer o bem, ganhei amigos leais. Ao ensinar os adolescentes a velejar, ganhei uma flotilha. Ao ganharem prêmios, dividi com eles a emoção de estar no pódio. E como dizia o poeta Fernando Pessoa, "Navegar é preciso, viver não é preciso." Sigam nosso instagram @e.velafilhosdovento Bons ventos a todos e ajustem suas velas a todo momento!

    Anderson Wilnes Simas Pereira
    Cabo Frio - RJ