Entrevistado:
Dr. Renato Delascio Lopes
Professor de Medicina da Divisão de Cardiologia e Diretor Associado do Programa de Fellowship em Cardiologia Duke Clinical Research Institute (DCRI) / Duke University Medical Center (DUMC), Durham, NC, USA.
Professor Afiliado do Departamento de Medicina - Divisões de Clínica Médica e Cardiologia.
Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina, São Paulo, SP, Brasil.
Diretor Executivo do Brazilian Clinical Research Institute (BCRI)
Entrevistador:
Dr. Flavio de Souza Brito
Fellow de Cardiologia do Duke Clinical Research Institute (DCRI) / Turma 2013/2014
Médico Investigador do Brazilian Clinical Research Institute (BCRI)
Pós-graduando do Departamento de Cardiologia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.
Membro Colaborador do DEIC Jovem
Dr. Flavio: A fibrilação atrial (FA) atinge hoje mais de 5,8 milhões de norte-americanos, 6 milhões de europeus e 1,5 milhões de brasileiros - é a arritmia cardíaca sustentada mais frequente na prática clínica, mas permanece sendo um desafio para o cardiologista clínico principalmente no que diz respeito a prevenção de eventos tromboembólicos. Em pacientes com insuficiência cardíaca (IC) associada a FA o risco de AVC é ainda mais elevado. Qual o cenário atual do uso de anticoagulantes em pacientes com o binômio IC + FA ?
Dr. Renato: Veja, a prevalência de FA em pacientes com IC Classe Funcional IV pela classificação da New York Heart Failure chega a 50 %, e a incidência é de 2 a 5 % ao ano neste grupo de pacientes. As recomendações tanto da Sociedade Europeia de Cardiologia, quanto do American College of Cardiology/American Heart Association são claras: Todo paciente com história de FA paroxística ou persistente e escore de CHADS2 maior ou igual a 2 devem ser anticoagulados com antagonista da Vitamina K (ex: warfarina), desde que não tenham contraindicação ao fármaco. Lembrem-se de que a IC é o primeiro dentre os critérios do CHADS 2 e do CHA2DS2VASc (Cardiac Failure). A insuficiência cardíaca é tida como fator de risco tão importante para a ocorrência de AVC em pacientes com FA, que as diretrizes de IC recomendam anticoagulação oral para pacientes com FA e IC, mesmo que isso significa um CHADS 2 ou CHA2DS2VASc = 1.
Mas será mesmo que este tratamento está sendo realmente fornecido a este grupo de pacientes? A resposta infelizmente é negativa. Publicamos recentemente no
American Heart Journal (Volume 163, Number 5) uma análise retrospectiva do ADHERE International Registry que compreende pacientes com IC descompensada na América Latina e Ãsia, em que avaliamos o uso dos antagonistas de Vitamina K naqueles pacientes maiores de 18 anos e portadores de FA prévia ou desenvolvida após a admissão hospitalar. Desta publicação, conseguimos inferir 4 conclusões importantes e extremamente perigosas: 1. A prevenção de AVC através do uso de anticoagulantes em pacientes elegíveis com IC e FA é subutilizada; 2. Pacientes com maior pontuação no escore de CHADS2 são justamente aqueles que recebem menos terapia anticoagulante; 3.Existe uma grande variação no uso dos anticoagulantes entre os países envolvidos no estudo (por exemplo na Austrália 65 % dos pacientes com indicação são anticoagulados, contra 37,5 % no Brasil e 25 % no Taiwan); 4. Os principais fatores associados ao não uso dos anticoagulantes nesta população foram: idade avançada, história prévia de doença arterial coronariana e piora da função renal avaliada pelo nível sérico de creatinina.
Vemos um cenário sombrio no que se refere ao manejo destes pacientes em populações distintas, principalmente pelo temor do clínico em relação ao risco de sangramento e ao errático e difícil manejo dos anti-vitaminas K na prática diária. Acredito que a pesquisa de qualidade surge sempre a partir de uma pergunta clínica correta e o desenvolvimento e estudo de novos anticoagulantes orais no cenário da FA encontra aqui uma das suas justificativas.
Dr. Flavio: O uso dos novos anticoagulantes, Dabigatran e Rivaroxaban nos pacientes com FA na prática diária tem base na literatura após a publicação dos estudos RE-LY e ROCKET- AF. O Sr. foi um dos principais investigadores do trial ARISTOTLE que avaliou o Apixaban em pacientes com FA. Qual a sua opinião sobre este recente fármaco?
Dr. Renato: O Apixaban é um novo inibidor direto do fator X ativado, usado por via oral, tem rápida absorção, meia vida de 12 horas, 25 % da sua excreção ocorre por via renal e possui perfil aceitável de efeitos colaterais. Em linhas gerais conseguimos demonstrar com o ARISTOTLE que esta droga quando comparada a Warfarina reduz significativamente o risco de AVC e embolia sistêmica, sangramento maior e morte, respectivamente em 21 %, 31 % e 11%. Teve sua publicação no
NEJM em setembro passado e o fármaco está em processo da avaliação no FDA.
O mais interessante e revelo aqui com exclusividade para o site é o nosso trabalho mais recente, publicado no
Lancet desta semana, em que analisamos os 18.201 pacientes envolvidos no ARISTOTLE baseado em diferentes estratos de risco, quais sejam: CHADS2 1 ponto, 2 pontos e mais do que 3 pontos ou CHA2DS2VASc 1 ponto, 2 pontos e mais do que 3 pontos ou HAS-BLED 0-1, 2 ou mais do que 3 e conseguimos demonstrar que independentemente do risco de AVC ou sangramento, o tratamento com Apixaban resultou em uma consistente redução no número de AVC ou embolia sistêmica quando comparado a Warfarina. Houve também uma consistente redução da frequência de sangramentos maiores e intracranianos com o uso do Apixaban. Além disso, a maior redução de sangramento intracraniano ocorreu justamente nos pacientes de mais alto risco, ou seja aqueles com HAS-BLED escore > 3. Isso é de extrema importância, pois o sangramento intracraniano é sem dúvida nosso maior receio ao tratar pacientes com FA com anticoagulantes orais na prática médica.
A estratificação de risco tem sido um elemento chave na identificação de pacientes sob risco de AVC ou sangramento e nos ajuda a guiar o tratamento antitrombótico para pacientes com FA. Entretanto, a maioria dos pacientes com alto risco para AVC são também aqueles com alto risco para sangramento. Acredito que este artigo mudará totalmente a conduta no cenário da FA e até mesmo o modo de estratificarmos os pacientes, pois com o uso de uma droga mais eficaz e segura do que a Warfarina em todos os cenários de pacientes com FA e ao menos um fator de risco para AVC, os escores acima citados passarão a ter um peso menor na tomada de decisão referente a terapia antitrombótica utilizada para esse grupo de pacientes, facilitando e aprimorando, assim, a prática medica.
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