O Acidente Vascular Cerebral (AVC), uma das maiores catástrofes da Medicina, é cinco vezes mais frequente nos pacientes com Fibrilação atrial (FA).
Nos últimos anos, tres novos anticoagulantes orais, Dabigatrana, Rivaroxabana e Apixabana, com ação na inibição da trombina ou no fator Xa, abriram importantes opções terapêuticas para contornar as dificuldades do controle da Varfarina nos pacientes com FA não valvar (1-3).
Escores discriminatórios com níveis diferentes de acurácia e calibração foram criados para identificar o risco de tromboembolismo na FA. O escore
CHADS2 (Insuficiência cardíaca, Hipertensão arterial, Idade, Diabetes, AVC ) publicado por Gage em 2001 (4) e muito utilizado pela literatura americana e o score
CHA2DS2-VASc (CHADS2+ doença vascular + sexo feminino + idades ≥65 e ≥75 anos) publicado por Lipp em 2010 (5) e divulgado pelos europeus, foram criados para diferenciar quem tem mais risco de AVC e se beneficiar da terapêutica anticoagulante. Um outro escore, o HAS-BLED (PAS > 160, Insuficiencia renal e Hepática, AVC, sangramento, INR lábil, idade ≥ 65 a, uso de antiplaquetários ou anti-inflamatórios, álcool/drogas) mostra que as variáveis relacionadas com tromboembolismo estão também relacionadas com sangramento (6).
Pacientes com CHA2DS2-VASc ou CHADS2 ≥ 2 tem mais risco de tromboembolismo e aqueles com HAS-BLED ≥ 3 tem mais risco de sangramento.
Faz parte do raciocínio fisiopatológico e da intuição clínica que a ação do Varfarin ou de qualquer novo anticoagulante aumenta o sangramento quando utilizado nos pacientes com maior risco de tromboembolismo.
Populações diferentes e a ausência de estudos comparando diretamente os novos anticoagulantes orais não permitem conclusões sobre qual deles é mais efetivo e mais seguro. Peculiaridades da administração, tolerância digestiva, e a possibilidade de atuação em subgrupos ou em outras co-morbidades, poderão, no futuro, direcionar o emprego específico de cada uma dessas drogas em situações especiais.
No artigo de Lopes publicado hoje no Lancet (7), um subestudo do ARISTOTLE demonstrou que a apixabana, um dos novos anticoagulantes orais, demonstrou benefício consistente e incremental em relação à Varfarina nos pacientes com maior escore de risco, com diminuição de sangramento grave como hemorragia intracraniana, mesmo nos pacientes com alto escore do HAS-BLED. Essa ação ainda não esclarecida, também encontrada nos outros novos anticoagulantes orais, pode ter relação com alguma ação protetora dos outros fatores de coagulação bloqueados pela Varfarina, poupados pela ação específica desses novos medicamentos.
Drogas efetivas, são e serão sempre uma grande alternativa para o tratamento em larga escala. Resultados como o acima, oriundos de grandes estudos clínicos controlados, fortalecem também a necessidade de uma medicina translacional reversa onde, a partir dos dados clínicos, sejam desvendados alguns mecanismos básicos das doenças e da ação das drogas.
A medicina personalizada começa com uma minuciosa identificação clínica,
conhecimento das particularidades dos grandes "trials" e, finalmente, o estudo da carga genética que, no futuro, individualizará a resposta dos nossos pacientes. Essa publicação de Lopes enfatiza que, além da sua simplicidade e importância na profilaxia do AVC em pacientes com FA não valvar, a ação da apixabana quebra alguns paradigmas e estimula a procura de novos conceitos e mecanismos na estratificação de risco do tromboembolismo dos pacientes com FA.
Referências
1. Connolly SJ, Ezekowitz MD, Yusuf S, Eikelboom J, Oldgren J, Parekh A, Pogue J, Reilly PA, Themeles E, Varrone J, Wang S, Alings M, Xavier D, Zhu J, Diaz R, Lewis BS, Darius H, Diener HC, Joyner CD, Wallentin L; RE-LY Steering Committee and Investigators. Dabigatran versus warfarin in patients with atrial fibrillation.N Engl J Med. 2009 Sep 17;361(12):1139-51.
2. Patel MR, Mahaffey KW, Garg J, Pan G, Singer DE, Hacke W, Breithardt G, Halperin JL, Hankey GJ, Piccini JP, Becker RC, Nessel CC, Paolini JF, Berkowitz SD, Fox KA, Califf RM; ROCKET AF Investigators. Rivaroxaban versus warfarin in nonvalvular atrial fibrillation. N Engl J Med. 2011 Sep 8;365(10):883-91.
3. Granger CB, Alexander JH, McMurray JJ, Lopes RD, Hylek EM, Hanna M, Al-Khalidi HR, Ansell J, Atar D, Avezum A, Bahit MC, Diaz R, Easton JD, Ezekowitz JA, Flaker G, Garcia D, Geraldes M, Gersh BJ, Golitsyn S, Goto S, Hermosillo AG, Hohnloser SH, Horowitz J, Mohan P, Jansky P, Lewis BS, Lopez-Sendon JL, Pais P, Parkhomenko A, Verheugt FW, Zhu J, Wallentin L; ARISTOTLE Committees and Investigators. Apixaban versus warfarin in patients with atrial fibrillation. N Engl J Med. 2011 Sep 15;365(11):981-92.
4. Gage BF, Waterman AD, Shannon W, Boechler M, Rich MW, Radford MJ. Validation of clinical classification schemes for predicting stroke: results from the National Registry of Atrial Fibrillation. JAMA. 2001 Jun 13;285(22):2864-70.
5. Lip GY, Nieuwlaat R, Pisters R, Lane DA, Crijns HJ. Refining clinical risk stratification for predicting stroke and thromboembolism in atrial fibrillation using a novel risk factor-based approach: the euro heart survey on atrial fibrillation. Chest. 2010 Feb;137(2):263-72.
6. Pisters R, Lane DA, Nieuwlaat R, de Vos CB, Crijns HJ, Lip GY. A novel user-friendly score (HAS-BLED) to assess 1-year risk of major bleeding in patients with atrial fibrillation: the Euro Heart Survey. Chest. 2010 Nov;138(5):1093-100.
7. Renato D Lopes, Sana M Al-Khatib, Lars Wallentin, Hongqiu Yang, Jack Ansell, M Cecilia Bahit, Raffaele De Caterina, Paul Dorian, J Donald Easton, Cetin Erol, Justin A Ezekowitz, Bernard J Gersh, Christopher B Granger, Stefan H Hohnloser, John Horowitz, Elaine M Hylek, John J V McMurray, Puneet Mohan, Dragos Vinereanu, John H Alexander. Efficacy and safety of apixaban compared with warfarin according to patient risk of stroke and of bleeding in atrial fibrillation: a secondary analysis of a randomised controlled trial Lancet 2012, in press.
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