A cardiologista Fabiana Goulart Marcondes-Braga é a entrevistada desta edição do Jornal da SBC-GO. Médica da Unidade de Emergência Clínica do Instituto do Coração (InCor) da Universidade de São Paulo, ela acaba de concluir seu doutorado em Ciências.
Fruto dessa experiência, o estudo "Acetona exalada como novo biomarcador do diagnóstico de insuficiência cardíaca" foi orientado pelo professor Fernando Bacal, diretor de Pesquisas da SBC e ex-presidente do DEIC (Departamento de Insuficiência Cardíaca da SBC). Surgido após percepções clínicas do dia-a-dia, o estudo deve incrementar o prognóstico de insuficiência cardíaca e oferecer estratégias terapêuticas cada vez mais sofisticadas.
Dr. Aguinaldo: Por que ainda é tão importante estudar a insuficiência cardíaca?
Dra Fabiana: Apesar dos avanços no tratamento medicamentoso e nos cuidados multidisciplinares observados nas últimas duas décadas, a insuficiência cardíaca ainda é uma síndrome clínica associada à alta mortalidade. Episódios de descompensação da doença seguidos de admissões hospitalares são frequentes e implicam em pior prognóstico e maior custo.
Dr. Aguinaldo: O que é preciso fazer para reverter esse quadro?
Dra Fabiana: Diante da alta morbimortalidade da insuficiência cardíaca, há grande interesse em se encontrar biomarcadores da doença que possam auxiliar no seu manejo clínico e, desta forma, gerar maior eficiência na decisão terapêutica. Os mais conhecidos são os peptídeos natriuréticos: o peptídeo natriurético do tipo B (BNP) e fração N-terminal do peptídeo natriurético do tipo B (NT-proBNP).
Dr. Aguinaldo: Esses biomarcadores são eficazes?
Dra Fabiana: Ambos já demonstraram boa acurácia para o diagnóstico de insuficiência cardíaca entre pacientes com dispnéia aguda na sala de emergência e seu papel prognóstico em curto e longo prazos também têm sido amplamente estudado.
Dr. Aguinaldo: Que outros aspectos estão sendo avaliados para aprimorar o prognóstico?
Dra Fabiana: Em nossa prática clínica no InCor, observamos que muitos pacientes internados por insuficiência cardíaca descompensada exalam odor peculiar, mais evidente entre pacientes mais graves, muitas vezes dependentes de drogas vasoativas. A presença de tal odor é menos frequente, embora não ausente, entre pacientes ambulatoriais. Assim, postulamos que a substância responsável por tal odor poderia ser um bom biomarcador de insuficiência cardíaca e de sua gravidade.
Dr. Aguinaldo: Como essa pesquisa foi viabilizada
Dra Fabiana: Para realização deste estudo, nós desenvolvemos, em associação com o Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP), um dispositivo simples e portátil capaz de coletar o ar exalado de pacientes com insuficiência cardíaca à beira leito e observamos a presença de acetona no ar exalado de pacientes com insuficiência cardíaca em concentração superior ao encontrado em indivíduos saudáveis.
Dr. Aguinaldo: Quantos pacientes integraram o estudo?
Dra Fabiana: Coletamos o ar exalado de 89 pacientes com insuficiência cardíaca, sendo 30 pacientes com insuficiência cardíaca crônica e 59 pacientes com insuficiência cardíaca descompensada, sendo excluídos pacientes diabéticos e portadores de insuficiência renal crônica. Foram também avaliados 20 indivíduos saudáveis.
Dr. Aguinaldo: O que foi possível comparar entre esses grupos?
Dra Fabiana: Em nossa população, valores de acetona exalada maiores que 1,16 ug/L conferiram acurácia de 86% para o diagnóstico de insuficiência cardíaca, apresentando valor diagnóstico incremental ao BNP como biomarcador de diagnóstico desta síndrome clínica, uma vez que quando considerados simultaneamente permitem o diagnóstico em 95,4% dos casos. Observamos ainda que os valores de acetona exalada foram significativamente mais elevados em vigência de descompensação da doença (p<0,001), sendo que valores acima de 2,5 ug/L também apresentaram boa acurácia (84%) para definir descompensação da insuficiência cardíaca. Vale ressaltar que a acurácia diagnóstica da acetona exalada foi equivalente à acurácia do BNP em nossa coorte de pacientes. Maiores detalhes sobre os resultados do estudo podem ser encontrados na publicação deste trabalho na revista Chest. O link é: Marcondes-Braga FG et al. Chest 2012; Feb 16.
Dr. Aguinaldo: Quais são os próximos passos para a consolidação da pesquisa?
Dra Fabiana: Esperamos no futuro poder ampliá-la, desenvolvendo estudos multicêntricos, envolvendo maior número de pacientes com outras comorbidades para reafirmar os resultados encontrados e avaliar o valor prognóstico deste novo biomarcador não invasivo.
Av. Marechal Câmara, 160
3º andar - Sala: 330 - Centro