Menu

Discussão de Temas

MEDICAÇÕES NO PERIOPERATÓRIO – O ESTUDO POISE 2 INDICA A NECESSIDADE DE MUDANÇA DE PARADIGMA COM RELAÇÃO À ASPIRINA?

O infarto do miocárdio no ambiente perioperatório (IAMPO) é uma complicação bastante temida e está associado com pior prognóstico, maior mortalidade e todas as implicações sociais e econômicas relacionadas. Do ponto de vista etiológico, era importante saber se esse tipo infarto do miocárdio tem o mesmo mecanismo fisiopatológico do infarto espontâneo (IAMES), daquele em que o paciente chega no pronto socorro, ou se comporta como o infarto do tipo 2. No infarto classificado como tipo 2 a placa aterosclerótica instável e com trombo mural não está presente. A interrupção da irrigação miocárdica responsável pelo infarto é causada por hipotensão, hipofluxo ou anemia por sangramento na cirurgia. Se a etiologia do infarto perioperatório envolvesse predominantemente o tipo 2, o uso da aspirina de pouco adiantaria assim como outros tratamentos convencionais. Gualandro e cols. publicaram, em 2012, uma análise comparativa angiográfica de 1470 lesões coronarianas em 480 pacientes comparando três grupos de pacientes com IAMPO, IAMES e indivíduos com doença coronariana estável. Os autores observaram que 56,7% dos pacientes com infarto do miocárdio no período perioperatório apresentavam placa instável. Só este achado, isoladamente, já justificaria a manutenção do uso da aspirina na prevenção de complicações cardiovasculares no perioperatório para pacientes de maior risco.

Sabemos também que em contexto de alta carga aterosclerótica, como no perioperatório de operações arteriais, pacientes com maior resistência à ação da aspirina apresentam quase o dobro de eventos cardiovasculares pós operatórios quando comparado àqueles com melhor resposta, conforme observado por Calderaro e cols.

Consideramos oportuna a publicação do estudo POISE 2 pouco tempo depois. O grupo de investigadores responsável pelos estudos POISE é muito sólido sendo chefiado por P. J. Deveraux do Canadá e com ramificações inclusive no Brasil. O objetivo principal do estudo POISE 2 era investigar o papel do uso da aspirina na prevenção de evento cardiovasculares no perioperatório. Em nossa opinião, porém, o estudo POISE 2 pecou em aspectos do desenho, da posologia e da população estudada, impedindo, infelizmente, que esclarecesse muitas de nossas dúvidas. A questão relacionada à manutenção ou suspensão do uso de antiagregantes no perioperatório de pacientes portadores de Stents não foi analisada já que indivíduos com angioplastias recentes não foram incluídos e a porcentagem daqueles com Stents coronarianos há mais tempo era muito reduzida (pouco mais de 4%).

O segundo problema é que os pacientes do POISE 2 eram muito pouco doentes: a maior parte deles encontrava-se em regime de prevenção primária para eventos cardiovasculares. Somente 23% deles eram portadores de doença arterial coronariana e foram excluídos os submetidos à cirurgia de endarterectomia de carótidas. Em outras palavras, para esta população a o estudo POISE 2 não ofereceu respostas. O terceiro problema é que no POISE 2, de acordo com os critérios de inclusão, havia pacientes que suspenderam a aspirina apenas 3 dias antes da operação sendo que o efeito deste medicamento sobre as plaquetas dura até uma semana. Desta forma, esses pacientes, considerados não recebedores da aspirina, ainda estavam sob um pequeno efeito da mesma.

Em resumo, a resposta que o POISE 2 nos deu é que a aspirina pode ser retirada para os pacientes que NÃO estão no estrato de maior risco de complicações sendo que muitos deles nem teriam indicação deste medicamento para prevenção primária. Tanto isso é verdade que a publicação do POISE 2 não foi acompanhada por modificação significativa nas diretrizes europeias e americanas como se esperava inicialmente. Em nossa opinião, o estudo POISE 2 não ofereceu respostas às principais dúvidas e, se adequadamente desenhado, provavelmente concluiria que não se deve retirar a aspirina considerando-se a base fisiopatológica do benefício da aspirina no perioperatório para pacientes com maior risco de complicações cardiovasculares que envolvam a presença de trombose mural. Para eles a aspirina fica.

Bruno Caramelli
Danielle Menosi Gualandro
Pai Ching Yu
Daniela Calderaro

Publicado em: Segunda-feira, 17 de novembro de 2014


Clique aqui para debater o assunto.