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Decage News - 011 (Março/2015)

O vinho e a longevidade
Jairo Monson de Souza Filho- RS
jairo@monson.med.br

Dieta e estilo de vida são fundamentais para prevenção de doenças crônicas e por consequência da mortalidade precoce. O vinho faz parte tanto de uma dieta1 como de um estilo de vida saudável2.

No vinho existem cerca de 1.000 substâncias mas os seus efeitos sobre a saúde humana se devem fundamentalmente ao álcool e aos polifenóis3.

O álcool é um fator independente de proteção para mortalidade por todas as causas e também de mortes e doenças cardiovasculares (DCV), sobretudo Doença Arterial Coronariana (DAC). Isso ficou bem evidente em algumas metanálises que compararam o consumo de qualquer quantidade de álcool com nenhuma ingestão destas bebidas. Em que pese elas incluírem apenas estudos observacionais, impressiona o tamanho das amostras e a força estatística destes estudos. Quando se avaliou a mortalidade geral houve uma redução em favor dos que bebiam de 13% (n=3.159.720; RR: 0,87 [0,83-0,91] p < 0,001); igualmente a mortalidade por DCV teve redução de 25% (n=1.184.956; RR: 0,75 [0,70-0,80] p < 0,001) e as mortes por DAC também foram 25% menos nos que bebiam (n=1.925.106; RR: 0,75 [0,68-0,81] p < 0,001). A incidência de DAC, da mesma maneira, foi 29% menor no grupo de bebedores (n=549.504; RR: 0,71 [0,66-0,77] p < 0,001). Todos estes dados foram corrigidos para os fatores clássicos de confusão e quando se analisou o consumo máximo de 2 doses de álcool por dia houve um incremento nesta proteção de 14 a 25%4.

Os polifenóis são compostos bioativos encontrados apenas no reino vegetal. Poucos são hidrossolúveis e a maioria é solúvel em álcool, com quem têm uma ação sinérgica. O representante desta classe mais estudado é o Resveratrol. Ele tem um potencial farmarcológico muito grande. Tanto assim que o FDA o registrou como uma droga órfão (nova classe terapêutica)3. Vários estudos relacionam o consumo de polifenóis com a redução de doenças crônico-degenerativas como DCV, diabete melito e alguns cânceres5. Além de diminuir a pressão arterial, melhoram a função endotelial e plaquetária6, 7, 8. Estes são os prováveis mecanismos pelo qual eles promovem uma maior expectativa de vida. Uma análise dos dados do PREDIMED mostrou que há uma aparente correlação inversa entre o consumo de polifenóis totais e mortalidade geral, independente de outros fatores de risco alimentares e não alimentares. Observou-se uma redução de 37% nas mortes por todas as causas entre os quintis mais alto e mais baixo de consumo de polifenóis totais, após ajustes para todos fatores de confusão9.

O estudo PREDIMED é o único estudo com dieta que avalia desfechos clínicos. Ele mostrou que a Dieta do Mediterrâneo está associada a longevidade e a melhor qualidade de vida, isto porque ela reduz a incidência de DCV, síndrome metabólica, diabete, cânceres e o dano cognitivo pela idade, causas estas de mais da metade de todas as mortes em adultos. A dieta do mediterrâneo é pobre em carne vermelha, rica em azeite de oliva, frutas, legumes, outros vegetais, nozes, pão de trigo, peixe e vinho, sendo este consumido moderadamente junto às refeições. É portanto uma dieta rica em ácidos graxos mono e poli-insaturados e polifenóis. É nisso que reside o seu poder.

Foram usados dados do estudo EPIC para ver qual a proteção que cada um dos componentes da dieta do Mediterrâneo oferece. O vinho foi quem ofereceu maior redução de mortalidade com 23,5% [0,896 (0,835-0,962); p = 0,002], seguido de baixo consumo de carne (16,6%) [0,887 (0,825-0,953); p = 0,001], consumo de vegetais (16,2%) [0,886 (0,822-0,955); p = 0,002], fruta e nozes (11,2%) [0,879 (0,818-0,946); p = 0,001], óleo mono e poli-insaturados (10,6%) [0,878 (0,806-0,957); p = 0,003] e legumes (9,7%) [0,877 (0,815-0,944); p = 0,001]10.

Esses estudos nos mostram que o vinho é um fator independente de promoção da longevidade, certamente por conter álcool em quantidade moderada (10-15 g/L) e polifenóis em quantidades apreciáveis (1-8 g/L)3. Acrescente-se a isso (apesar de pouco documentado em estudos) o fato inegável de que quem tem o hábito de beber vinho junto às refeições, tem um estilo de vida mais saudável. São pessoas que se alimentam melhor11, são mais sociáveis (é incomum beber vinho sozinho, ao contrário de outras bebidas) e buscam a harmonia não só com a comida, mas também com as pessoas e o meio (não é comum discussão numa mesa em que se bebe vinho!). São pessoas mais alegres e geralmente apreciam obras de arte, músicas, textos, teatro... E isso possivelmente também tem influência na qualidade e quantidade de vida saudável. Apesar disso, o vinho é uma bebida alcoólica e quando ingerido de maneira irresponsável ou por quem tenha contraindicação ao seu consumo pode trazer importantes danos orgânicos, psíquicos, sociais e trabalhistas.

Referências:
1Estruch R, et al.; PREDIMED Study Investigators. Effects of a Mediterranean-style diet on cardiovascular risk factors: a randomized trial. Ann Intern Med. 2006 Jul 4;145(1):1-11.
2Mukamal KJ, Chiuve SE, Rimm EB. Alcohol consumption and risk for coronary heart disease in men with healthy lifestyles. Arch Intern Med. 2006 Oct 23;166(19):2145-50.
3Souza Filho, JM. Vinho é saúde! São Paulo: ConVisão, 2014. 152 p.
4Ronksley PE, Brien SE, Turner BJ, Mukamal KJ, Ghali WA. Association of alcohol consumption with selected cardiovascular disease outcomes: a systematic review and meta-analysis. BMJ. 2011 Feb 22;342:d671
5Sies H: Polyphenols and health: update and perspectives. Arch Biochem Biophys 2010, 501:2-5.
6Andriantsitohaina R, Auger C, Chataigneau T, Etienne-Selloum N, Li H, Martinez MC, Schini-Kerth VB, Laher I: Molecular mechanisms of the cardiovascular protective effects of polyphenols. Br J Nutr 2012, 108:1-18.
7Erlund I, Koli R, Alfthan G, Marniemi J, Puukka P, Mustonen P, Mattila P, Jula A: Favorable effects of berry consumption on platelet function, blood pressure, and HDL cholesterol. Am J Clin Nutr 2008, 87:323-331.
8Medina-Remón A, Estruch R, Tresserra-Rimbau A, Vallverdu-Queralt A, Lamuela-Raventos RM: The effect of polyphenol consumption on blood pressure. Mini Rev Med Chem 2013, 13:1137-1149.
9Tresserra-Rimbau A, et al; PREDIMED Study Investigators. Polyphenol intake and mortality risk: a re-analysis of the PREDIMED trial. BMC Med. 2014 May 13;12:77.
10Trichopoulou A, Bamia C, Trichopoulos D. Anatomy of health effects of Mediterranean diet: Greek EPIC prospective cohort study. BMJ. 2009 Jun 23;338:b2337.
11Johansen D, Friis K, Skovenborg E, Grønbaek M. Food buying habits of people who buy wine or beer: cross sectional study. BMJ. 2006 Mar 4;332(7540):519-22.