Esquina Científica

Decage News - 010 (Fevereiro/2015)

A APLICAÇÃO DA MODERNA TECNOLOGIA CARDIOLÓGICA AOS MUITO IDOSOS: É POSSÍVEL CONCILIÁ-LA COM A ÉTICA?
Paulo Roberto Pereira Toscano- PA

Os muito idosos aos quais estou a referir-me, neste despretensioso pequeno texto, constituem o grupo com 80 ou mais anos. Nesse grupo, a prevalência de doenças cardiovasculares é elevada (48% nos homens e 43% nas mulheres, no estudo de Framingham). O cardiogeriatra que terá a missão de atendê-los dispõe de numerosos e caros recursos diagnósticos e terapêuticos. Quais deverão ser aplicados? A quem? A resposta a esta pergunta é muito mais difícil e complexa do que formulá-la. O ideal, ainda longe da realidade em nosso país, é que esse tema fosse discutido pelos interessados – o paciente, sua família e o médico – estando o primeiro em faixa etária mais baixa, com a cognição preservada e, portanto, apto a tomar decisões quanto à extensão dos procedimentos de investigação diagnóstica e à aplicação de recursos terapêuticos não invasivos e invasivos, segundo suas crenças e sentimentos. Postergar esse momento para quando o paciente já não é mais capaz de tomar decisões, infelizmente, parece ser o que predomina em nosso país.

Uma situação que vivenciei algumas vezes e que sempre me deixou desconfortável foi emitir segunda opinião acerca de indicação de revascularização miocárdica em muito idosos pouco sintomáticos, com testes funcionais para isquemia miocárdica leve ou moderadamente alterados, aos quais fora solicitado um exame para definição anatômica (angiotomografia coronária ou cinecoronarioventriculografia), o qual revelou lesão aterosclerótica coronária da ordem de 70 – 80%, em 1 ou 2 artérias, por exemplo, no terço médio da coronária direita e na descendente anterior, após a primeira diagonal. Sabemos que não tão raramente, tais pacientes ainda não foram submetidos a uma terapêutica clínica realmente otimizada.

No outro extremo, encontra-se o muito idoso muito doente, na fase pré-terminal da sua cardiopatia, ao qual é oferecida a moderna tecnologia cardiológica propedêutica e terapêutica, quando, na verdade, o que ele necessita é de um humanizado “end-of-life care”. Investigações e tratamentos agressivos não alterarão o curso da doença e somente prolongarão o sofrimento e o processo da morte.

Em ambas as situações, fica claro o conflito ético entre a oferta da tecnologia (exagerada) e sua real utilidade clínica (ausente), resultando em sobrecarga financeira do sistema de saúde (público e privado).
 
Nestes tempos de ventos soprando contra a classe médica, julgo pertinente que procuremos fazer uma sincera autocrítica, tentando separar criteriosamente o joio do trigo, com as referências do “custo-benefício” e “risco-benefício” presentes em todas as tomadas de decisão. Não sei se seria demasiadamente simplório (ou ingênuo) responder, no silencio da nossa consciência, antes de qualquer decisão diagnóstica ou terapêutica, à pergunta: “se o paciente fosse eu ou alguém que muito amo, a manteria?”.
 
Respondendo a pergunta do título: sim, é possível! Mas nem sempre é fácil...

Paulo Roberto Pereira Toscano (Diretor Científico do DECAGE, Professor Titular aposentado da Universidade do Estado do Pará – UEPA)