Esquina Científica

Decage News - 006 (Setembro/2014)

ESTATINA NOS MUITO IDOSOS: Pacientes com mais de 85 anos devem tomar estatina? Um debate
Abrahão Afiune Neto - GO

Sabemos que não temos trabalhos clínicos randomizados (RCTs) que demonstram que terapias com estatinas podem ser apropriadas para idosos > de 85 anos. Então, discutiremos duas análises feitas e publicadas no J Am Geriatr Soc. 2014; 62(5); 943-945, de Neil J.Stone ;MD,MACP.FACC e Sunny Intwala, MD, Dan Katz, Ba.

Primeiramente, sabemos que meta-analise realizada em pacientes em tratamento do colesterol mostra que a terapia com estatinas, em trabalhos clínicos randomizados, reduz significativamente grandes eventos vasculares, pela diminuição em mmol/L do colesterol e da lipoproteína de baixa densidade (LDL-C) naqueles com mais de 75 anos.

Uma análise de qualidade Cochrane revelou que a terapia com estatinas para aqueles em prevenção primaria, sob risco de doença aterosclerótica cardiovascular (ASCVD), em uma ampla faixa de idades, é segura e efetiva, mas a decisão do uso em indivíduos acima de 85 anos deve ser discutida. Faltam evidências de trabalhos randomizados, para o benefício da estatina em prevenção primaria em indivíduos com 85 anos ou mais. Dois casos são apresentados no debate. Um médico, com mais de 80 anos, entrou no consultório com uma bengala na mão, pedindo uma segunda opinião, pois seu nível de LDL-C era de, aproximadamente, 150 mg/dL, sem histórico de ASCVD e lhe foi prescrita estatina. Pensou que se tivesse qualquer fraqueza muscular pela medicação, sua qualidade de vida e independência estariam comprometidas e 5 anos depois ele ainda estava ativo. Ao mesmo tempo, uma mulher ativa de 86 anos desenvolveu síndrome coronária aguda, foi tratada com stent em coronária descendente anterior, prescrita uma potente estatina, foi acompanhada e continuou com o tratamento, que foi bem tolerado, apesar de revisar os benefícios e riscos documentados nos RCTs.
 
As justificativas para o uso de estatinas em prevenção estão em um estudo recente em intervenção, avaliando a rosuvastatina em prevenção primaria, o qual demonstrou o benefício em ASCVD versus o risco metabólico. Para cada 134 eventos vasculares ou de mortes evitadas, são diagnosticados 54 novos casos de diabete mellitus. Além disso, glicemia maior do que 100mg/dL, hemoglobina glicada maior do que 6%, três ou mais componentes da síndrome metabólica e IMC de 30 Kg/m² ou maior, apresentaram desenvolvimento de diabetes mellitus com a terapia com estatinas: quanto maior a dose, maior o risco de diabetes mellitus. Estes dados indicam que aqueles que podem evoluir para diabetes mellitus, já se encontram em risco maior, mas, mesmo assim, estes pacientes, que usam as estatinas, têm beneficio em ASCVD.

Em relação às queixas de sintomas relacionados a alterações músculo-esqueléticas, são freqüentes na prática e nos estudos, sendo que estes sintomas, como dores ou artropatias, são mais comuns em usuários de estatina em relação aos não usuários. O FDA recomendou que a sinvastatina não deve ser iniciada com a dose máxima de 80 mg, devido a um maior risco de problemas musculoesqueléticos, incluindo rabdomiólise, devido a disponibilidade de alternativas mais seguras. Se sintomas musculares são moderados a severos ou progressivos, a estatina deve ser interrompida, para reavaliar a mudança de dosagem, ou mudança para outra estatina, interações medicamentosas devem ser pesquisadas, bem como a dosagem dos hormônios tireoidianos. Uma análise de coorte retrospectiva de 18.778 indivíduos, com efeitos adversos relacionados às estatinas, mais comumente musculoesqueléticos, sendo que 11.124 descontinuaram a estatina, pelo menos temporariamente. Dos 6.579 que voltaram a usar, nos 12 meses subsequentes, mais de 90% ainda tomavam a estatina. Isto sugere que em uma pessoa, com ASCVD estabelecida ou com alto risco de ASCVD devido à diabetes mellitus, doença crônica renal (exceto hemodiálise) ou hipercoleterolemia familiar deve-se tentar uma dose menor de estatina ou outra estatina mais apropriada, pois o beneficio da terapia com estatina naqueles com ASCVD estabelecida deve ser considerado, sempre. As interações medicamentosas devem ser sempre consideradas, principalmente em relação ao sistema P4503A5. Quanto à metabolização de certas estatinas, mesmo com níveis altos de TGO e TGP, em analise o FDA mostrou que, mesmo assim, as alterações no fígado são raras e impresivisiveis. Quanto aos problemas no fígado em indivíduos usuários de estatina, o FDA sugere que os indivíduos com sintomas como fadiga incomum, fraqueza, perda de apetite, dor abdominal superior e urina de coloração escura fossem notificados.

O FDA revisou informações de trabalhos clínicos randomizados em estatinas e cognição e encontrou raros casos de perda de memória reversível ou danos em indivíduos com mais de 50 anos. Os casos não pareceram ser associados à demência fixa ou progressiva, como o mal de Alzheimer. A revisão não encontrou uma associação entre a ocorrência adversa e a estatina específica, a idade do individuo e a dose de estatina, ou o uso de medicação concomitante. Portanto, mudanças cognitivas associadas às estatinas são incomuns e o seu uso não leva ao declínio cognitivo clinicamente considerável, sendo que se problemas cognitivos ocorrerem, deve-se analisar inicialmente o uso de outras drogas ou causas neurológicas.

Portanto, resumidamente, podemos dizer que há importantes razões para o uso de estatinas em pacientes acima de 85anos que possuem ASCVD estabelecida. A alta proporção de riscos-benefícios em trabalhos randomizados foi encontrada em pacientes mais novos, não necessariamente termina quando completam 85anos. Pacientes de alto risco para doenças cardiovasculares devem ser considerados, mas a polifarmacia, não adesão, interação medicamentosa e preferência individual são fortes motivos para a decisão compartilhada em cada paciente.