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Decage News - 005 (Agosto/2014)
Dor Persistente no Idoso
Renato Bandeira de Mello- RS
O processo de transição demográfica no Brasil está instituído há pelo menos
3 décadas e tem como consequência o rápido envelhecimento populacional. Já
somos mais de 20 milhões de idosos, sendo que projeções do IBGE já para 2030
estimam que a população com mais de 60 anos será maior do que a de
brasileiros com menos de 15 anos de idade.
Esse grande contingente de idosos compõe o grupo etário mais suscetível a
doenças por associação de processos fisiológicos (senescência) e patológicos
(senilidade) do envelhecimento. Em virtude disso, apresentam com frequência
múltiplas comorbidades, dentre elas a dor persistente ou dor crônica, que
erroneamente pode ser atribuída ao envelhecimento em si. A dor está
invariavelmente relacionada à doença física ou psicopatológica e se
caracteriza pela persistência do sintoma por 3 meses ou mais. Nos idosos a
dor pode ter impacto significativo sobre sua funcionalidade para atividades
diárias, anormalidades de marcha, risco de quedas e, em situações mais
extremas, sobre a capacidade cognitiva.
Trata-se de situação muito prevalente: cerca de 50% dos idosos em geral,
alcançando índices superiores a 80% naqueles que residem em instituições de
longa permanência para idosos (ILPI). Apesar da alta prevalência e do
potencial impacto sobre a saúde e qualidade de vida, essa condição costuma
ser subdiagnosticada em cerca de 40% dos idosos, sendo frequentemente
subtratada, mesmo em pacientes com neoplasias malignas2.
Sua avaliação deve compreender, além da anamnese e exame físico, a
utilização de ferramentas e escalas visuais, porque o idoso costuma
sub-relatar o problema ou sua identificação pode ser prejudicada por
condições associadas, principalmente o declínio cognitivo. Além de
identificar a dor, é fundamental diagnosticar seu fator causal, porque, além
da analgesia, o tratamento da doença base é imperativo sempre que possível1.
O manejo da dor deve associar medidas não-farmacológicas (fisioterapia e
reabilitação física nos casos de dor osteomuscular, por exemplo) a
tratamento medicamentoso. Entretanto, maior precaução deve existir, pois
alterações da farmacocinética e farmacodinâmica colocam idosos sob maior
risco de efeitos adversos e maior potencial de interação farmacológica.
Mesmo diante disso, deve-se ressaltar que os analgésicos e moduladores de
dor costumam ser efetivos e seguros a esta faixa etária, quando comorbidades
e potenciais fatores de risco são considerados na abordagem de tratamento1.
Em geral, o tratamento medicamentoso da dor crônica deve ser contínuo,
sobretudo quando a causa é persistente e progressiva. Abordagens
fragmentadas e “se necessário” não são recomendadas de forma isolada.
Deve-se iniciar com a menor dose possível, reavaliar a eficácia e progredir
a analgesia com brevidade, sendo que a menor dose efetiva é o alvo do
tratamento. A utilização de fármacos e esquemas de prescrição que favoreçam
a adesão são encorajados, assim como a contínua reavaliação com consequente
redução de doses e descontinuação do mesmo sempre que possível. Tais
premissas de tratamento são recomendadas pelo programa de avaliação de
cuidados do paciente idoso vulnerável (ACOVE Project: http://www.rand.org/health/projects/acove.html).
A prescrição deve privilegiar analgésicos comuns em doses fixas (Paracetamol
e Dipirona), tanto isolados como em combinação e, em casos de persistência,
associação com opióides é o passo seguinte recomendado. Em situações
específicas (dor neuropática, por exemplo) o uso de moduladores de dor e
anti-depressivos podem ser indicados. Anti-inflamatórios não-esteróides
devem ser evitados sempre que possível, visto seu potencial efeito deletério
sobre a função renal, o maior risco de doença cardiovascular e sangramentos
do trato gastrintestinal3.
Em conclusão, a dor crônica é frequente entre os idosos, porém sub-relatada,
subdiagnosticada e subtratada. A avaliação deve ser ativa e o tratamento
contínuo. A causa da dor deve ser identificada e controlada. O tratamento
analgésico deve associar medidas não-farmacológicas e medicamentosas. Dar
preferência para analgésicos comuns e opióides, tanto isolados como em
associação. Sendo que a estratégia de tratamento deve priorizar medidas de
mais fácil adesão e maior segurança, buscando a menor dose efetiva,
respeitando as comorbidades e demais fármacos em uso pelo idoso.
Referências:
1- AGS: Pharmacological Management of Persistent Pain in Older Persons. JAGS
2009; 57:1331-46
2- Undertreatment of Cancer Pain in Elderly Patientes. Cleeland CS et al.
JAMA. 1998;279(23):1914-1915
3- Cardiovascular safety of NSAID´s: network meta-analysis.Trelle S. BMJ
2011 Jan 11;342:c7086