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Decage News - 004 (Julho/2018)

Demência: Podemos Prevenir?

Elizabete Viana de Freitas
PHD, Master em Medicina
Especialista em Geriatria e Gerontologia (AMB/SBGG)
Especialista em Cardiologia (AMB/SBC)
Presidente da SBGG Nacional 2000 - 2002
Presidente do DECAGE/SBC 2008 – 2009
Membro do Conselho Consultivo da SBGG
Council Member of International Association of Gerontology and Geriatric (IAGG)
Médica do Hospital Universitário Pedro Ernesto (UERJ)
Editora do Tratado de Geriatria e Gerontologia (1 a 4 ed.)

Em todo o mundo, aproximadamente 50 milhões de pessoas vivem com demência, sendo esperado que esse número atinja em 2030 82 milhões e, em 2050, atinja mais do triplo (152 milhões) de acordo com os dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) 1.
Os dados demográficos e populacionais em todo o mundo indicam que o envelhecimento populacional tem como consequência o aumento do número de pessoas afetadas pela demência 1,2,3. É projetado que, em 2030, um em cada cinco americanos terá idade igual ou superior a 65 anos, alcançando em todo o mundo 1,3 bilhão até 2040. Nesse cenário, o transtorno cognitivo e os quadros demenciais representam uma das condições mais temidas 1;2, dobrando, a cada 5 anos, depois de 60 anos, permanecendo a idade como o mais forte fator de risco.
Nos EUA, de acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças, somente a doença de Alzheimer (DA) foi considerada, em 2007, a sexta causa de óbito em todas as idades 2,4.
O tratamento e os cuidados dispensados a pessoas com demência consomem atualmente mais de 818 bilhões de dólares por ano em todo o mundo, incluindo custos sociais e com a saúde, bem como perda de renda das pessoas afetadas pela doença e de seus cuidadores. Essa importância corresponde a 1% do produto interno bruto (PIB) mundial 1.
Os relatórios da OMS referem a demência – chamada nos anos 1980 de epidemia silenciosa – como uma prioridade de saúde pública, e recomendam programas voltados de forma incisiva ao diagnóstico precoce e a campanhas de conscientização pública, proporcionando melhor cuidado e maior assistência aos cuidadores 1.
Os transtornos iniciais são imputados ao processo de envelhecimento, e sintomas como déficits cognitivos são negligenciados na avaliação da função cognitiva através de exames que devem fazer parte do arsenal de rotina de todos os médicos que tratam de pacientes idosos, especialistas ou não. Ainda são encontrados preconceitos relacionados com a DA tanto de familiares como dos próprios pacientes, que tentam minimizar os sintomas, perdendo a janela de oportunidade para a instituição de um tratamento precoce que poderá alentecer o curso da doença 4.

Demência
A demência é uma síndrome crônica de natureza progressiva, na qual há comprometimento da memória, o pensamento, a orientação, a compreensão, o cálculo, a capacidade de aprendizado, a linguagem e o julgamento, sem comprometimento da consciência. Além disso, podem ocorrer alterações psicológicas, de comportamento e de personalidade. Para o diagnóstico, é essencial que os déficits causem significativo prejuízo na realização das atividades profissionais, ocupacionais e sociais do indivíduo 1.
Até o momento, os fatores de risco (FR) não modificáveis para demência são: idade; sexo feminino a partir dos 80 anos; síndrome de Down; história familiar positiva para o genótipo da apoliproteína E4 (APOE4) 2.
Dentre os fatores protetores estão: sexo masculino; nível educacional elevado; vida ativa com estimulação cognitiva constante; engajamento em atividades sociais e de lazer; suporte e redes sociais disponíveis; atividade física regular; dieta rica em antioxidantes e vitaminas (E, C, B6, B12 e folato); ausência de traumas cranianos; presença do alelo E2; níveis baixos de colesterol; consumo moderado de álcool (vinho tinto); uso de certos medicamentos como estatinas e anti-hipertensivos, por exemplo. O Honolulu Asia Aging Study 7 sugeriu que o controle precoce da hipertensão arterial na meia-idade reduziria o risco de comprometimento cognitivo leve. Os fatores de risco cardiovascular, como hipertensão arterial, diabetes, dislipidemia, obesidade e fumo encontram-se implicados tanto na demência por DA como na doença cerebrovascular 4-8.
O Honolulu Asia Aging Study 7 sugeriu que o controle precoce da hipertensão arterial na meia-idade reduziria o risco de comprometimento cognitivo leve. Os fatores de risco cardiovascular, como hipertensão arterial, diabetes, dislipidemia, obesidade e fumo encontram-se implicados tanto na demência por DA como na doença cerebrovascular 4-8.
Nos últimos anos, muitos estudos longitudinais têm definido melhor os fatores de risco para os diversos tipos de demência 6,7. Além dos FR não modificáveis, citados anteriormente, os fatores de risco vasculares (FRV) têm sido ligados à incidência de todas as demências, incluindo DA e demência vascular isoladamente 6-10.

Fatores de Risco
A inatividade física, hipertensão, diabetes melito (DM), tabagismo, baixa escolaridade, depressão e obesidade são fatores que têm sido associados à demência e à injúria cerebral, e podem, desta forma, aumentar o impacto na incidência de déficit cognitivo e sobre o acidente vascular cerebral (AVC). Um estudo com 11.151 participantes com base em uma coorte da população do Atherosclerosis Risk in Communities (ARIC) 11 avaliou a associação entre os FR cardiovasculares, em idade entre 46 e 70 anos, e o risco de hospitalização devido à demência, e determinou se essa associação era modificada conforme a idade e a etnia. Nesse estudo prospectivo, fumo, hipertensão e DM estavam fortemente associados ao risco subsequente de hospitalização por demência nessa faixa etária. Esses resultados enfatizaram a importância da atuação precoce sobre os FR para prevenção de demência 11.
Outro estudo 12 em indivíduos independentes, com idade entre 65 e 84 anos, analisou a influência dos (FRV) e a alteração de substância branca relacionadas com a idade sobre a performance neuropsicológica, com o intuito de avaliar dano cognitivo adicional pelos FRV em adição aos efeitos das alterações da substância branca. Essa coorte foi avaliada por meio de uma bateria de testes neuropsicológicos. Os autores concluíram que as alterações da substância branca se relacionaram com pior performance na função executiva, na atenção e na velocidade. Enquanto, hipertensão arterial, AVC prévio e DM influenciaram a performance neuropsicológica, independentemente da severidade da alteração da substância branca, reforçando a necessidade do controle dos fatores de risco vascular para prevenir o declínio cognitivo do idoso 12.
Embora estudos observacionais sugiram que a terapia antihipertensiva esteja associada com a redução do risco de declínio cognitivo e demência 13, estudos randomizados têm produzido resultados confusos, que podem ser explicados pela duração dos estudos, pela medicação usada ou pela perda de amostragem nos estudos 14, 15.
Outros estudos 16, 17 avaliaram a influência da hipertensão arterial com o declínio cognitivo. Uma coorte do Longitudinal Population Study mostrou que hipertensão arterial prévia pode aumentar o risco para demência por induzir doença de pequenos vasos e lesões de substância branca. Também foi observado declínio na pressão arterial anos antes do início da demência, sem que fosse concluído se essa queda fosse causa ou consequência da doença cerebral.
O Honolulu-Asia Aging Study 16, com base em uma comunidade de homens japoneses-americanos livres de demência, avaliou se a pressão de pulso (PP) estava relacionada com o aparecimento de demência. O estudo incluiu 2.505 participantes, com média de idade de 57,9 anos (considerada no estudo como meia-idade) na primeira avaliação e 76,9 anos na primeira avaliação para demência. A partir de então, foram acompanhados por uma média de 5,1 anos. Não houve relação entre demência e nenhum tertil de PP; entretanto, a pressão sistólica isolada (PSI) foi o melhor preditor. O estudo concluiu que, para homens na meia-idade, a PSI é o componente mais forte da pressão arterial que prediz a incidência de demência 16.
Após um primeiro acidente vascular cerebral até 10% dos pacientes desenvolvem demência com a recorrência do evento 18, constituindo, portanto um importante FR, seja isquêmico ou hemorrágico.
Um grande número de estudos de coorte têm encontrado forte associação entre DM e o risco de declínio cognitivo e demência em idade avançada 19. Essa relação foi encontrada tanto para DA como para demência vascular. Tem sido observada uma relação inversa entre os níveis de hemoglobina glicada e déficit cognitivo, assim um pior controle glicêmico pode estar associado com maior declínio cognitivo 19, 20, 21.
Entretanto, é necessário cuidado no tratamento já que grave hipoglicemia está também associada à demência 4.
Uma revisão sistemática de 14 estudos encontrou que o DM está associado ao aumento no risco de desenvolvimento de qualquer tipo de demência, incluindo DA 22. Os achados de acordo com a metodologia dos estudos sugerem que alteração na glicose, doença vascular, insulina e metabolismo amiloide são elementos relevantes da fisiopatologia, embora seu mecanismo seja incerto, sendo necessários estudos adicionais 22. O estudo da cidade de Vantaa, na Finlândia, concluiu que pacientes idosos com DM desenvolvem patologia vascular mais extensa, particularmente nos portadores de APOE4, o que também resulta em aumento do risco de demência.
Diversos trabalhos buscaram a correlação entre colesterol e o risco do desenvolvimento de demência 11, 23. Alguns trabalhos encontraram forte relação entre colesterol elevado e demência nos indivíduos sem a presença do alelo APOE4, provavelmente pela influência desse genótipo na captação do colesterol 23. Entretanto, outros estudos não confirmam essa associação, alguns mesmo mostrando um baixo risco de demência com colesterol alto 4.
Alguns estudos prospectivos mostram relação positiva entre o fumo na meia-idade e na velhice e o aumento no risco de demência 11, 24. Uma metanálise de 19 estudos com acompanhamento de pelo menos 1 ano concluiu que idosos fumantes apresentam risco de demência por DA, doença vascular e qualquer outro tipo de demência, além de associar o fumo com declínio no desempenho no miniexame do estado mental (Minimental) 11.
No Honolulu Heart Program 24, o fumo foi associado à DA e a todas as demências combinadas. Nos resultados de necropsias foram observadas mais placas neuríticas nos que fumavam cigarros em maior quantidade. Dados derivados do Health Survey for England, do Adult Psychiatric Morbidity Survey e The Health Improvement Network estimam que, dos 10 milhões de fumantes do Reino Unido, em torno de 3 milhões têm evidência de doença mental, tendo sido objeto de um editorial da revista Lancet em março de 2013, mostrando a grande preocupação com a relação entre o fumo e a saúde mental. Porém. O risco de demência relacionado ao fumo tem dados conflitantes, nem sempre essa associação permanece significanta após ajuste para outros FR cardiovasculares 4.
Uma meta-análise de 19 estudos com pelo menos 12 meses de acompanhamento concluiu que idosos fumantes têm risco aumentado para DA, demência vascular ou qualquer tipo de demência. Fumantes também estão associados com declínio no Mini Exame do Estado Mental (MEEM) 4.
A associação entre obesidade e a incidência de demência tem sido encontrada em alguns estudos, através da medida do índice de massa corpórea (IMC) ou da adiposidade, em meia idade do que na idade avançada 4. Entretanto, em contraste, a perda de peso em idosos aparenta preceder mais proximamente o diagnóstico ou de deficit cognitivo ou de demência 4.
A doença vascular clinicamente manifesta e os marcadores de aterosclerose podem indicar pacientes em risco de declínio cognitivo ou demência, como história de infarto agudo do miocárdio ou outra doença vascular, espessamento médio-intimal de carótida (placa ou espessamento), sinais de retinopatia, aterosclerose intracraneal 4.
Dentre as evidências mais aceitas, com relação inversa com DA, encontra-se o estilo de vida, considerando-se a atividade física, a sociabilidade e a atividade cognitiva, apesar de ainda ser obscura sua real ação 5, 25, ligadas, portanto ao estilo de vida.
A hipótese da reserva cognitiva sugere que a atividade mental, o aprendizado e a interação social previnem ou reduzem o deficit cognitivo por ativação da plasticidade cerebral e intensificam a sinapto-génese e talvez a neuro-génese 4. A atividade física, por seu lado intensificaria os componentes vasculares e não neuronal do cérebro que suportam os neurônios 4.
A hipótese vascular sugere que a atividade social, mental e a atividade física previne ou reduz a demência vascular e a DA 4.
Por fim, a hipótese do estresse sugere que indivíduos ativos têm estado emocional mais positivo e menor possibilidade de desenvolverem demência e DA 4.
Em uma sistemática revisão e meta-análise de estudos observacionais menor educação tem sido associada com aumento 1,6 vezes mais no risco relativo de demência comparado com indivíduos de maior nível educacional, não definida como educação escolar secundária 26.
Alguns outros fatores também estão associados com aumento da incidência de demência, entre eles: fibrilação atrial, abuso de álcool, insuficiência renal crônica, depressão, perda auditiva, trauma craniano.
Em relação aos níveis anormais de homocisteína não está associada à prevenção ou melhora da cognição, bem como a suplementação de B12 ou B6 [4]. Algumas condições médicas têm sido associadas ao aumento de demência como pós cirurgia cardíaca e desenvolvimento de quadro de delirium durante internações hospitalares 4.
Sobre medicamentos alguns suplementos têm sido referidos como capazes de prevenir e/ou melhorar os escores cognitivos, como vitaminas com propriedades antioxidantes, por exemplo vitamina E, vitamina C, betacaroteno e selenium sem, entretanto não mostrarem nenhum impacto sobre a cognição ou incidência de demência 27.
Da mesma forma, não há evidências convincentes de estudos clínicos de benefícios sobre a cognição ou risco de demência com vitamina B6 e vitamina B12. Alguns estudos sobre a vitamina D não mostraram resultados convincentes que indiquem a sua suplementação para prevenir demência ou deficit cognitivo. Acontecendo o mesmo a isoflavona a qual é atribuída ação anti-inflamatória e antioxidante 4.
Extensamente discutido tem sido o emprego dos Inibidores da HMG CoAredutase, as estatinas, na prevenção de demência, sem, contudo ainda sem ter papel definido na prevenção ou tratamento de demência 28.

Conclusões
Embora as doenças cardiovascular e cerebrovascular com manifestação clínica sejam fatores de risco estabelecidos para declínio cognitivo e demência, é menos sabido sobre os indivíduos que não apresentam as manifestações clínicas dessas doenças. Alguns estudos, entretanto, encontraram acelerado declínio nos testes de performance de memória, fala e testes de associação semântica e de fluência verbal em pacientes de casas geriátricas sem manifestações clínicas de doença cardiovascular ou cerebrovascular. O espessamento médio intimal ou a presença de placas bilaterais das carótidas foram fortes preditores de demência. Os achados da relação da doença aterosclerótica e declínio cognitivo e demência sugerem fortemente que a intervenção precoce sobre as doenças ainda subclínicas e sobre os FR cardiovasculares poderiam retardar o início dos quadros de demência e de DA.
Os pontos de relevância s serem considerados são os seguintes:
• A idade permanece como o mais forte fator de risco para demência, principalmente por DA
• O primeiro passo na investigação da DA é conhecer a história familiar
• Os fatores de risco vasculares – hipertensão arterial, DM, fumo, hipercolesterolemia, sedentarismo, obesidade na meia idade – têm sido ligados à demência, inclusive à DA e à demência vascular
• Os estudos observacionais sugerem que o estilo de vida – particularmente, atividade social, mental e física – está inversamente associado com o risco de demência
• Outros fatores como o consumo em excesso de álcool e depressão podem aumentar o risco para a demência e DA.

Referências
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