Coisas do coração
(Por Santiago Dias)
“Antes do amor chegar / E até mesmo na tristeza / o coração é gigante / Com a tamanheza de um mar / Vive num canto da gente / Doido para se enamorar / E nem sabe que se liberta / Sonhando se aprisionar / Às vezes corre ligeiro / O passageiro do amor / Que é cantador violeiro / E seresteiro da flor / O desafio da morte / Rio de mil afluentes / Semente de voo livre / Violador de correntes / O ritmista do tempo / Perdeu o rumo da estrada / E se espalhou feito o vento / No peito de sua amada.” (Gigante Coração - Mauri de Noronha)
Sinto o coração bater com mais força. Parece imitar o surdo da bateria de uma escola de samba. Ouço e sinto o batido nitidamente. Só depois de muito tempo descobri que era pressão alta. Passei a privar-me de uma porção de coisas que me davam prazer. Comecei substituí-las por outras, que também passaram a me dar prazer. Deixei de comer algumas delícias, só para continuar vivo, porque viver é ótimo. Sinto tanto prazer em continuar existindo que nem sinto falta dessas coisas miúdas.
Prefiro o conforto de respirar tranquilamente. De poder gritar bem alto o que me satisfaz e me faz feliz. O conforto de ir e vir sem perder o fôlego. A grandeza de poder sorrir com meus amigos. O velho coração apaixona-se, se desapaixona e assim vai tocando em frente o fado. Descobri que ele tem conserto. Coisa que há alguns anos era impossível até de se imaginar. Quem sofria do coração, já estava condenado. Senti-me assim algumas vezes. Nessas minhas idas e vindas aos postos de saúde e hospitais, encontrei por acaso enfermeiros e médicos gentis e dedicados. Esses profissionais deram-me uma nova chance de vida.
Foi então, que acordei e percebi que ainda estava vivo. Que poderia continuar no meu caminho. Várias vezes senti que esse caminho queria se entortar, mas não perdi o compasso. Dois, três, quatro passos para frente e um para trás, mas acerto novamente e sigo em frente. Minha teimosia me faz viver mais. Não é o coração que vai desandar agora. Tenho uma infinidade de afazeres e vou realizá-los. Ele só vai parar quando eu conseguir realizar uma porção de pendências. Sarar todas as feridas da alma, que ainda resistem. Curar todas as dores da vida. Vencer os obstáculos e resolver questões que deixei para trás. Quero escrever poesias que possam abrir portas, construir pontes, transpor muros, quebrar vidraças, invadir janelas, encurtar caminhos e me aproximar de outros corações.
É para isso que quero que o coração bata com frequência e sequência. Com harmonia, como uma orquestra sinfônica executando a canção do Mozart ou Beethoven. Como o bumbo de uma escola de samba, dando um aperto de saudade e emoção; soando alegre, sem perder o ritmo. Quero vê-lo feliz, como aconteceu no dia em que recebi o meu primeiro beijo. O coração só pode continuar se for para a função do amor, do contrário, prefiro que ele pare agora e nunca mais direi nada a seu favor. Vai coração, a subida é íngreme, mas aos poucos venceremos essa estrada!
Certo dia, ouvi o médico Dr. Zerbini dizer: “Os poetas falam que o coração é frágil, mas é o órgão mais forte do corpo, ele nasce primeiro e morre por último”.
Só senti meu coração fragilizado, depois de algumas desilusões amorosas, mas aos poucos caia de novo nas armadilhas da febre revolucionária e tomava mais um golpe certeiro do destino. Descobri que a vida é assim mesmo. Um dia a gente ganha, outro se perde. Agora estou ganhando, porque continuo vivendo, amando, desamando e sofrendo, como qualquer pessoa. Sinto que é isso que chamamos de vida. Ela, a vida, é como uma fatia bem docinha de melancia e a delicio com muito prazer e alegria. Aproveito cada momento da vida como se fosse o último. Esse bendito coração deu-me mais sentido no caminhar do existir. Pena que só agora, que quase recebi o golpe fatal, é que percebi o quanto a vida é bela. Sinto que a vida continua e tenho um tempo incontável para continuar urdindo, tecendo e fazendo a rede colorida dos meus sonhos.
Autor: Santiago Dias
(Trecho do livro: O Plantador de Manhãs)
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