Posição oficial do
Departamento de Aterosclerose da SBC sobre o uso de estatinas
para prevenção primária em mulheres
Fernando Cesena, em nome da Diretoria do
Departamento de Aterosclerose da SBC
Com alguma frequência, levantam-se
controvérsias sobre o custo-benefício do uso de estatinas para
prevenção de eventos cardiovasculares em mulheres aparentemente
saudáveis, ou seja, em prevenção primária. Particularmente,
comentários veiculados pela imprensa leiga, questionando a real
validade do uso de estatinas nestas situações, podem gerar
dúvidas sobre o assunto e mesmo comprometer o adequado
tratamento das pacientes.
Esta controvérsia é oriunda do fato de que
alguns estudos clínicos e metanálises mostraram que a redução de
eventos cardiovasculares pelas estatinas, em prevenção primária,
é menor nas mulheres do que nos homens, por vezes até não
significante. Além disso, em alguns estudos o risco de efeitos
colaterais com estatinas foi maior nas mulheres do que nos
homens
No entanto, este aparente menor benefício
das estatinas entre as mulheres pode ser explicado, pelo menos
em parte, por questões metodológicas: sendo menor o risco
absoluto de eventos cardiovasculares nas mulheres, e menor o
número de mulheres incluídas nos ensaios clínicos, em relação
aos homens, torna-se mais difícil demonstrar os benefícios das
estatinas sobre desfechos duros.
Além
disso, é indiscutível a relação entre níveis elevados de
LDL-colesterol e doença aterosclerótica nas mulheres, e não se
conhece uma razão biológica plausível para uma suposta ausência
de benefício das estatinas no sexo feminino.
Com relação aos efeitos colaterais, que
muito raramente são de gravidade, deve-se levar em consideração
que o risco pode ser mais elevado em mulheres devido ao menor
tamanho corporal e a tendência de prescrição em faixas etárias
mais avançadas, o que aumenta a chance do uso concomitante de
outros medicamentos com consequente interação medicamentosa.
Em uma recente subanálise do estudo
Justification for the Use of Statins in Prevention: An
Intervention Trial Evaluating Rosuvastatin
(JUPITER), analisou-se o uso de rosuvastatina em
prevenção primária de acordo com o gênero.1 O estudo
incluiu quase 7.000 mulheres com idade 60 anos, 11.000 homens
com idade 50 anos, todos com LDL-colesterol <130 mg/dL e PCR de
alta sensibilidade 2 mg/L. O desfecho primário foi uma
combinação de infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral,
hospitalização por angina instável, revascularização arterial ou
morte cardiovascular. A redução do risco relativo do desfecho
primário foi semelhante nas mulheres e nos homens. O número
necessário para tratar (NNT) para evitar 1 desfecho primário em
5 anos foi projetado em 36 nas mulheres e 22 nos homens, ou
seja, maior nas mulheres porém ainda considerado baixo. Neste
mesmo estudo, a ocorrência de efeitos colaterais graves foi
similar entre homens e mulheres.1
Na mesma publicação, os autores apresentam
uma metanálise de 13.154 mulheres participantes de ensaios de
prevenção primária, na qual encontraram uma redução
significativa de 1/3 no risco de eventos cardiovasculares com o
uso de estatinas.1
Estes resultados são consistentes com o
Cholesterol Treatment Trialists' collaboration, que não
mostrou diferença entre os gêneros no tocante à eficácia das
estatinas numa grande metanálise envolvendo 90.056 indivíduos de
14 ensaios randomizados.2
Desta forma, este posicionamento tem por
objetivo reiterar que, quando bem indicadas, as estatinas
promovem redução do risco cardiovascular em mulheres em
prevenção primária. O benefício do uso de estatinas supera o
mínimo risco de efeitos colaterais graves. Quando o alcance de
metas de LDL-colesterol não for possível com medidas
não-farmacológicas, e quando não houver contra-indicação, não se
justifica evitar o uso de estatinas em mulheres em prevenção
primária.
Tal posicionamento é especialmente
relevante se considerarmos os dados do estudo The Lipid
Treatment Assessment Project (L-TAP) 2,3 que
avaliou o alcance de metas lipídicas em quase 10.000 indivíduos
20 anos com dislipidemia sob uso de medicamentos em 9 países,
incluindo o Brasil. Em relação aos homens, as mulheres
apresentaram menor taxa de alcance de metas de LDL-colesterol, o
que foi explicado por uma diferença nas taxas no subgrupo de
maior risco coronário, com meta de LDL-colesterol <100 mg/dL
(alcance em 62,6% vs 70,6%, P <0,0001). Ou seja, em relação aos
homens, as mulheres de alto risco coronário estão sendo
subtratadas, o que reforça a recomendação para o uso de
estatinas para o alcance de metas lipídicas.
Referências
1.
Mora S, Glynn RJ, Hsia J, MacFadyen JG, Genest J, Ridker PM.
Statins for the primary prevention of cardiovascular events in
women with elevated high-sensitivity C-reactive protein or
dyslipidemia: results from the Justification for the Use of
Statins in Prevention: An Intervention Trial Evaluating
Rosuvastatin (JUPITER) and meta-analysis of women from primary
prevention trials. Circulation 2010;121(9):1069-77.
2.
Baigent C, Keech A, Kearney PM, Blackwell L, Buck G, Pollicino
C, Kirby A, Sourjina T, Peto R, Collins R, Simes R; Cholesterol
Treatment Trialists' (CTT) Collaborators. Efficacy and safety of
cholesterol-lowering treatment: prospective meta-analysis of
data from 90,056 participants in 14 randomised trials of statins.
Lancet 2005;366(9493):1267-78. Erratum in: Lancet. 2008 Jun
21;371(9630):2084. Lancet. 2005 Oct 15-21;366(9494):1358.
3.
Santos
RD, Waters DD, Tarasenko L, Messig M, Jukema JW, Ferrières J,
Verdejo J, Chiang CW; L-TAP 2 Investigators. Low- and
high-density lipoprotein cholesterol goal attainment in
dyslipidemic women: The Lipid Treatment Assessment Project
(L-TAP) 2. Am Heart J 2009;158(5):860-6.
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