Coluna
A morte ao vivo e a cores
Nos últimos anos em nosso país, ocorreram mortes de atletas em corridas
populares como a São Silvestre, jogos de futebol etc. Porém, pouco se fez. A
recente e dramática morte súbita de um atleta foi manchete mundial, por ter
acontecido num jogo do esporte mais popular do mundo, o futebol, ao vivo e a
cores pela TV.
O primeiro relato de morte súbita relacionada à atividade física esportiva
foi a do soldado grego Pheldippides, que correu 42 km de Maratona até Atenas
para comunicar a vitória dos gregos sobre os persas em 490 AC. A freqüência
relativamente baixa, quando comparada às causas de óbito em geral, faz com
que eventos desse tipo em atletas sejam na maioria rotulados de maneira vaga
apenas como morte súbita, sem um conhecimento mais profundo da real causa. A
morte no esporte é rara, inesperada, dramática e chocante.
O atleta, um ícone físico da raça humana, símbolo de saúde, ao desabar em
campo mostrou a impotência geral diante da terrível situação de morte
inesperada na atividade esportiva. O que vimos e o que se seguiu nos induz à
várias reflexões em relação aos fatos, mesmo que não nos digam nada
diretamente. A visão da tragédia deve servir para inúmeros ensinamentos: a
lenta e inútil reação inicial com aqueles tapinhas no rosto para acordá-lo.
As manobras de ressuscitação, segundo o jornal L’Équipe demoraram sete
minutos; além disso, não havia desfibrilador na beira do campo, como
recomendam as diretrizes internacionais de suporte básico de vida.
Agora, se esses fatos ocorressem por aqui, estaríamos prontos e equipados?
Entre nós também tem acontecido. Semanas atrás um jovem jogador do Criciúma
teve morte súbita no treino e a família impediu a necropsia conseguindo um
atestado de óbito com diagnóstico de infarto! As notícias jornalísticas
sobre atletas que tiveram morte súbita dizem sempre que a causa foi infarto.
Seria verdadeiro? Não nos parece, a literatura mostra que antes dos 35 anos
as causas mais freqüentes, são cardíacas (80 a 90%): miocardiopatia
hipertrófica assimétrica, origem anômala das coronárias, síndromes
arritmogênicas e infecciosas e entre nós a cardiopatia Chagásica.
Atletas, sejam amadores ou profissionais, estão sujeitos a eventos
cardiovasculares, sem dúvida o cardiologista deve participar efetivamente
dessa prevenção, com o exame clínico cardiovascular de avaliação
pré-participação, única maneira de evitar ou diminuir as tragédias. Rotina
há mais de 20 anos, na Seção Médica de Cardiologia do Exercício e Esporte (Cardioesporte)
do Instituto Dante Pazzanese realiza avaliação clínica, eletrocardiograma,
exames de laboratório, Raio-X de tórax, teste ergométrico e ecocardiograma e
já detectou em cerca de 8% dos atletas até 35 anos algum problema
cardiovascular. Há necessidade de uma lei como na Itália, Japão e outros
países, onde todos os atletas amadores ou profissionais participantes de
competições oficiais devem se submeter à exames clínicos pré-participação.
O novíssimo código do torcedor está em vigor, mas será que todos os estádios
e ginásios já estão adaptados? Nesse momento devemos exigir que em todos
eventos esportivos tenhamos equipe de emergência de Suporte Básico de Vida,
organizadas como uma "CIPA", equipada para eventos cardiovasculares com
desfibriladores etc.
Na mais recente Maratona de São Paulo, havia equipe médica e paramédica de
resgate treinada para emergências de todo tipo. Mas e nos outros inúmeros
eventos esportivos no Brasil? Cabe aos cardiologistas agirem nas suas
comunidades. O estatuto do torcedor deve ser cumprido no item emergência,
para o atleta e torcedores. Chega de cadastrar mortes no esporte.
P/S.: 1-ao terminar esse artigo chegou-nos a notícia de mais uma morte no
esporte, de jovem futebolista do Botafogo de Ribeirão Preto durante o
treino.
PS Como contraponto à morte no esporte, dois dias antes da tragédia de Lyon,
a AHA publicou novas conclusões sobre o benefício da atividade física
aeróbica na prevenção e tratamento da DAC: Exercise and Physical Activity in
the Prevention and treatment of Atherosclerotic Cardiovascular Disease,
Circulation.2003:107:3109-3116, P.D.Thompson, D.Buchner, I.Piña et al). A
ênfase é para o médico orientar e não apenas recomendar exercícios para seu
paciente, pois previnem o desenvolvimento da DAC, reduzem os sintomas na
doença estabelecida e o desenvolvimento de outras doenças crônicas: diabetes
tipo II, osteoporose, obesidade, depressão e câncer de mama e do colo.
Nabil Ghorayeb
nghorayeb@terra.com.br