Semana passada perdemos um dos alagoanos mais ilustres. Sua
honradez contrastava com esse ambiente mundano marcado pela
incoerência e pela desonestidade. Refiro-me ao Professor
Hélvio Auto.
Tive a felicidade de expressar esse meu
sentimento quando ele ainda vivia ao escrever uma prosa, nesse
mesmo jornal, intitulada "o homem que é". Conheci o
Professor Hélvio em quatro distintos momentos de minha vida. O
primeiro, quando ainda criança ouvi falar em seu nome como
"cuidador" de minha irmã Marília, que havia
contraído tétano depois de desfrutar umas férias em Viçosa.
Ele trabalhava no Hospital Dona Constança (antigo Isolamento),
hoje denominado de Hospital Escola Dr. Hélvio Auto. O segundo
foi como aluno de medicina na qualidade de seu discípulo. O meu
encantamento com o mestre foi tão grande que, em determinado
momento, pensei em seguir a especialidade de infectologia. O
terceiro momento foi (para mim, glorioso) quando consegui
conquistar a sua amizade. O quarto momento foi quando o tive
como cliente e controlava a sua pressão. Muitas vezes a minha
atendente avisava a sua presença com um recado: "Dr.
Marco, está aí na recepção o Dr. Hélvio, e deseja saber se
o senhor tem um tempinho para ele". Já havia informado ao
Professor que a entrada dele em meu consultório seria sempre
pela porta lateral, por onde circulam os amigos. No entanto, ele
nunca quis usufruir dessa minha recomendação e chegava sempre
pela porta principal, como fazem os clientes habituais. Assim
era o Professor Hélvio, um homem que dispensava privilégios.
Estava viajando quando de sua morte, e fui
representado em seu velório pela minha filha Annelise (hoje
trabalhando no mesmo ambiente do também Professor Helvio Auto
Filho, que segue o mesmo caminho do pai, numa demonstração de
que caráter é o maior legado da convivência familiar). Ela
retornou de lá impressionada com uma história, que tomou
conhecimento ao conversar com outras pessoas também presentes.
A história é a seguinte: Dr. Helvio tinha em casa um aquário
com peixes ornamentais, e ele próprio era o "cuidador".
Como um mistério (para ela inexplicável, mas não para mim),
na manhã seguinte à sua morte, os peixes, que eram cuidados
por ele, amanheceram mortos. Ela contou essa história
demonstrando perplexidade com esse fenômeno, naturalmente, de
difícil entendimento. Eu então falei para ela o seguinte:
filha, você está sem entender o acontecido porque você não
conhecia o Professor Hélvio Auto, assim não tem a dimensão
exata do que sua perda representa. Os peixes não, minha filha,
tiveram a felicidade de receber o cuidado e a atenção do
saudoso mestre, por isso resolveram morrer, numa sinalização
de que a natureza (onde reside Deus) como um todo chorou, à sua
maneira, para marcar a "passagem" do "homem que
é" dessa aventura terrena para outra inimaginável. O
"homem que é" se foi, junto com os peixes (que podiam
até ser anjos disfarçados), para habitar outras águas.
Marco Mota
Médico cardiologista
E-mail: mota-gomes@uol.com.br