Capítulo 4
Tratamento Não-Medicamentoso ou Modificações do Estilo
de Vida
O tratamento não-medicamentoso tem, como principal
objetivo, diminuir a morbidade e a mortalidade
cardiovasculares por meio de modificações do estilo de vida
que favoreçam a redução da pressão arterial.
Está indicado a todos os hipertensos e aos indivíduos
mesmo que normotensos, mas de alto risco cardiovascular.
Dentre essas modificações, as que comprovadamente reduzem a
pressão arterial são: redução do peso corporal, da
ingestão do sal e do consumo de bebidas alcoólicas, prática
de exercícios físicos com regularidade, e a
não-utilização de drogas que elevam a pressão arterial. As
razões que tornam as modificações do estilo de vida úteis
são:
— baixo custo e risco mínimo;
— redução da pressão arterial, favorecendo o controle de
outros fatores de risco;
— aumento da eficácia do tratamento medicamentoso; e
— redução do risco cardiovascular.
Redução do Peso Corporal
O excesso de peso corporal tem forte correlação com o
aumento da pressão arterial. O aumento do peso é um fator
predisponente para a hipertensão. Todos os hipertensos com
excesso de peso devem ser incluídos em programas de redução
de peso de modo a alcançar Índice de Massa Corpórea (IMC)
inferior a 25 kg/m² e Relação Cintura-Quadril (RCQ)
inferior a 0,8 para as mulheres e a 0,9 para os homens, em
razão de sua associação com risco cardiovascular aumentado.
As recomendações genéricas para a redução do peso
corporal compreendem:
— princípios dietéticos; e
— programas de atividade física.
Os princípios da terapia dietética estão apresentados no
Quadro 8.
Quadro 8. Princípios gerais da terapia dietética.
Respeitar dieta hipocalórica balanceada, evitando o
jejum ou as dietas "milagrosas"
Manter o consumo diário de colesterol inferior a 300 mg (o
consumo de gorduras saturadas não deve ultrapassar 10% do
total de gorduras ingeridas)
Substituir gorduras animais por óleos vegetais (mono e
poliinsaturados)
Reduzir o consumo de sal a menos de 6 g/dia (1 colher de chá)
Evitar açúcar e doces
Preferir ervas, especiarias e limão para temperar os
alimentos
Ingerir alimentos cozidos, assados, grelhados, ou refogados
Utilizar alimentos fonte de fibras (grãos, frutas, cereais
integrais, hortaliças e legumes, preferencialmente crus)
Para a manutenção do peso desejável a longo prazo, é
necessária a adequação dietética individualizada, com
particular atenção aos aspectos socioeconômicos e culturais
e à motivação dos pacientes.
Redução na Ingestão de Sal/Sódio
O sal (cloreto de sódio — NaCl) há muito tempo tem
sido considerado importante fator no desenvolvimento e na
intensidade da hipertensão arterial. Hoje em dia, a
literatura mundial é praticamente unânime em considerar a
forte correlação entre a ingestão excessiva de sal e a
elevação da pressão arterial. No âmbito populacional, a
ingestão de sal parece ser um dos fatores envolvidos no
aumento progressivo da pressão arterial que acontece com o
envelhecimento. A hipertensão arterial é observada
primariamente em comunidades com ingestão de sal superior a
100 mEq/dia. Por outro lado, a hipertensão arterial é rara
em populações cuja ingestão de sal é inferior a 50
mEq/dia. Essa constatação parece ser independente de outros
fatores de risco para hipertensão arterial, tais como
obesidade e alcoolismo.
Além da redução da pressão arterial, alguns estudos
demonstraram também benefícios da restrição salina na
redução da mortalidade por acidente vascular encefálico e
na regressão da hipertrofia ventricular esquerda. A
restrição salina pode ainda reduzir a excreção urinária
de cálcio, contribuindo para a prevenção da osteoporose em
idosos.
Dessa forma, a restrição de sal na dieta é uma medida
recomendada não apenas para hipertensos, mas para a
população de modo geral. Tal orientação deve objetivar
ingestão em torno de 100 mEq/dia (6 g de sal = 1 colher de
chá). Do ponto de vista prático, deve-se evitar a ingestão
de alimentos processados industrialmente, tais como enlatados,
conservas, embutidos e defumados. Deve-se ainda orientar os
pacientes a utilizar o mínimo de sal no preparo dos
alimentos, além de evitar o uso de saleiro à mesa, durante
as refeições.
O uso de substitutos de sal contendo cloreto de potássio
em substituição ao NaCl pode ser recomendado aos pacientes,
embora alguns tenham a palatabilidade como fator limitante.
Quadro 9. Fontes de maior teor de sódio.
Sal de cozinha (NaCl) e temperos industrializados
Alimentos industrializados ("ketchup", mostarda,
shoyu, caldos concentrados)
Embutidos (salsicha, mortadela, lingüiça, presunto, salame,
paio)
Conservas (picles, azeitona, aspargo, palmito)
Enlatados (extrato de tomate, milho, ervilha)
Bacalhau, charque, carne seca, defumados
Aditivos (glutamato monossódico) utilizados em alguns
condimentos e sopas de pacote
Queijos em geral
Para que o efeito hipotensor máximo da restrição salina
se manifeste, é necessário intervalo de pelo menos 8
semanas. É importante salientar que os pacientes deverão ser
orientados para a leitura dos rótulos dos alimentos
industrializados, a fim de observar a presença e a quantidade
de sódio contidas nos mesmos.
Aumento da Ingestão de Potássio
A ingestão do potássio pode ser aumentada pela
escolha de alimentos pobres em sódio e ricos em potássio
(feijões, ervilha, vegetais de cor verde-escuro, banana,
melão, cenoura, beterraba, frutas secas, tomate, batata
inglesa e laranja).
Essa indicação se justifica pela possibilidade de o
potássio exercer efeito anti-hipertensivo, ter ação
protetora contra danos cardiovasculares, e servir como medida
auxiliar em pacientes submetidos a terapia com diuréticos,
desde que não existam contra-indicações.
Deve-se ter cautela no uso de suplemento medicamentoso à
base de potássio em pacientes suscetíveis a hiperpotassemia,
incluindo aqueles com insuficiência renal, ou em uso de
inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA), ou
bloqueadores de receptores da angiotensina II.
O uso de substitutos do sal contendo cloreto de potássio
em substituição ao NaCl pode ser recomendado aos pacientes
como uma forma de suplementação de potássio, embora alguns
deles tenham a palatabilidade como fator limitante. O emprego
desses substitutos de sal em pacientes hipertensos com
diminuição da função renal, especialmente se diabéticos e
em uso de inibidores da ECA, deve ser cauteloso devido ao
risco de hiperpotassemia.
Redução do Consumo de Bebidas Alcoólicas
O consumo excessivo de álcool eleva a pressão
arterial e a variabilidade pressórica, aumenta a prevalência
de hipertensão, é fator de risco para acidente vascular
encefálico, além de ser uma das causas de resistência à
terapêutica anti-hipertensiva.
Para os hipertensos do sexo masculino que fazem uso de
bebida alcoólica, é aconselhável que o consumo não
ultrapasse 30 ml de etanol/dia, contidos em 60 ml de bebidas
destiladas (uísque, vodca, aguardente, etc.), 240 ml de
vinho, ou 720 ml de cerveja. Em relação às mulheres e
indivíduos de baixo peso, a ingestão alcoólica não deve
ultrapassar 15 ml de etanol/dia. Aos pacientes que não
conseguem se enquadrar nesses limites de consumo, sugere-se o
abandono do consumo de bebidas alcoólicas.
Exercício Físico Regular
O exercício físico regular reduz a pressão arterial,
além de produzir benefícios adicionais, tais como
diminuição do peso corporal e ação coadjuvante no
tratamento das dislipidemias, da resistência à insulina, do
abandono do tabagismo e do controle do estresse. Contribui,
ainda, para a redução do risco de indivíduos normotensos
desenvolverem hipertensão.
Exercícios físicos, tais como caminhada, ciclismo,
natação e corrida, realizados numa intensidade entre 50% e
70% da freqüência cardíaca de reserva (vide fórmula a
seguir), ou entre 50% e 70% do consumo máximo de oxigênio,
com duração de 30 a 45 minutos, três a cinco vezes por
semana, reduzem a pressão arterial de indivíduos
hipertensos. Em contrapartida, exercícios físicos muito
intensos, realizados acima de 80% da freqüência cardíaca de
reserva, ou 80% acima do consumo máximo de oxigênio, têm
pouco efeito sobre a pressão arterial de hipertensos.
Quadro 10. Cálculo da freqüência cardíaca de
exercício.
Freqüência cardíaca de exercício = (FC máxima - FC
basal) (% intensidade) + FC basal
onde FC máxima = 220 - idade em anos
Adicionalmente, baixo nível de capacitação física está
associado a maior risco de óbito por doenças coronariana e
cardiovascular em homens sadios, independentemente dos fatores
de risco convencionais.
Exercícios isométricos, como levantamento de peso, não
são recomendáveis para indivíduos hipertensos. Pacientes em
uso de medicamentos anti-hipertensivos que interferem na
freqüência cardíaca (como, por exemplo, betabloqueadores)
devem ser previamente submetidos a avaliação médica.
Abandono do Tabagismo
O tabagismo é a mais importante causa modificável de
morte, sendo responsável por 1 em cada 6 óbitos. No Brasil,
a prevalência do tabagismo é elevada. Em 1989, existiam 30.6
milhões de fumantes na população com idade superior a 5
anos, correspondendo a 23,9% da população dessa faixa
etária, o que demonstra a relevância do problema em nosso
país.
Ainda que a pressão arterial e a freqüência cardíaca se
elevem durante o ato de fumar, o uso prolongado de nicotina
não se associa a maior prevalência de hipertensão. Além do
risco aumentado para a doença coronariana associada ao
tabagismo, indivíduos que fumam mais de uma carteira de
cigarros ao dia têm risco 5 vezes maior de morte súbita do
que indivíduos não-fumantes. Adicionalmente, o tabagismo
colabora para o efeito adverso da terapêutica de redução
dos lípides séricos e induz resistência ao efeito de drogas
anti-hipertensivas.
Dentre outras medidas, o tabagismo deve ser combatido por
colaborar com o risco de câncer e de doenças pulmonares, e
por constituir risco para doença coronariana, acidente
vascular encefálico e morte súbita. Para tanto, é essencial
o aconselhamento médico precoce, repetido e consistente até
o abandono definitivo.
Controle das Dislipidemias e do Diabete Melito
A associação de dislipidemia e diabete melito com
hipertensão é sabidamente deletéria, mesmo que essa
associação não afete, necessariamente, os níveis da
pressão arterial. A restrição de alimentos ricos em
colesterol e gorduras, além dos açúcares simples, atua
sobre os fatores de risco convencionais e auxilia no controle
do peso corporal. No Quadro 11 estão apresentadas algumas das
medidas utilizadas para o combate da dislipidemia.
Quadro 11. Medidas para o combate da dislipidemia.
Aumentar o conteúdo de fibras da dieta
Substituir os carboidratos simples (açúcar, mel e doces)
pelos complexos (massas, cereais, frutas, grãos, raízes e
legumes)
Restringir bebidas alcoólicas
Aumentar a atividade física
Abandonar o tabagismo
Reduzir a ingestão de gorduras saturadas, utilizando
preferencialmente gorduras mono e poliinsaturadas na dieta
Os Quadros 12 e 13 apresentam as principais fontes
alimentares de triglicerídeos, colesterol e gordura saturada.
Quadro 12. Alimentos que provocam aumento dos
triglicerídeos.
Todos os alimentos e bebidas preparados com açúcar
Mel e derivados
Cana de açúcar, garapa, melado e rapadura
Bebidas alcoólicas
Todos os alimentos ricos em gordura
Quadro 13. Alimentos ricos em colesterol e/ou gorduras
saturadas.
Porco (banha, carne, "bacon", torresmo)
Leite integral, creme de leite, nata, manteiga
Lingüiça, salame, mortadela, presunto, salsicha, sardinha
Frituras com qualquer tipo de gordura
Frutos do mar ( camarão, mexilhão, ostras)
Miúdos (coração, moela, fígado, miolos, rim)
Pele de frango, couro de peixe
Dobradinha, caldo de mocotó
Gema de ovo e suas preparações
Carne de gado com gordura visível
Óleo, leite e polpa de coco
Azeite de dendê
Castanhas, amendoim
Chocolate e derivados
Sorvetes
Suplementação de Cálcio e Magnésio
Não se recomenda a suplementação medicamentosa de
cálcio ou magnésio para redução da pressão arterial,
exceto na deficiência destes, embora a manutenção de
ingestão adequada de cálcio seja uma medida recomendável na
prevenção da osteoporose.
Medidas Antiestresse
Há evidências de possíveis efeitos do estresse
psicossocial na pressão arterial relacionadas a
"condições estressantes", tais como pobreza,
insatisfação social, baixo nível educacional, desemprego,
inatividade física e, em especial, aquelas atividades
profissionais caracterizadas por altas demandas psicológicas
e baixo controle dessas situações.
Mesmo assim, o papel do tratamento antiestresse e o uso de
técnicas que visam a modificações de respostas
comportamentais no tratamento de pacientes hipertensos ainda
não estão definidos.
Técnicas de relaxamento, tais como ioga,
"biofeedback", meditação transcendental, "tai
chi chuan" e psicoterapia, não são superiores a
técnicas fictícias ("sham") ou a
automonitorização.
Evitar Drogas que Podem Elevar a Pressão Arterial
No Quadro 14 estão apresentadas várias drogas que
podem ter efeitos hipertensivos, devendo ser evitadas ou
descontinuadas.
Quadro 14. Drogas que podem elevar a pressão arterial.
Anticoncepcionais orais
Antiinflamatórios não-esteróides
Anti-histamínicos descongestionantes
Antidepressivos tricíclicos
Corticosteróides, esteróides anabolizantes
Vasoconstritores nasais
Carbenoxolona
Ciclosporina
Inibidores da monoaminoxidase (IMAO)
Chumbo, cádmio, tálio
Alcalóides derivados do "ergot"
Moderadores do apetite
Hormônios tireoideanos (altas doses)
Antiácidos ricos em sódio
Eritropoetina
Cocaína
Cafeína (?)
Considerações Gerais sobre o Tratamento
Não-Medicamentoso
Torna-se evidente que quase todas as medidas
não-medicamentosas dependem de mudanças no estilo de vida de
forma permanente. Em razão de a abordagem do hipertenso ser
direcionada a diversos objetivos, a ação médica é
beneficiada com a abordagem multiprofissional.
Vale ressaltar que é de fundamental importância o
envolvimento dos familiares do hipertenso na busca das metas a
serem atingidas pelas modificações do estilo de vida. O
Quadro 15 apresenta uma análise crítica da eficácia das
medidas não-medicamentosas discutidas neste capítulo.
Quadro 15. Medidas não-medicamentosas para o controle da
hipertensão e dos fatores de risco cardiovascular.
Medidas com maior eficácia anti-hipertensiva
Redução do peso corporal
Redução da ingestão de sódio
Maior ingestão de alimentos ricos em potássio
Redução do consumo de bebidas alcoólicas
Exercícios físicos regulares
Medidas sem avaliação definitiva
Suplementação de cálcio e magnésio
Dietas vegetarianas ricas em fibras
Medidas antiestresse
Medidas associadas
Abandono do tabagismo
Controle das dislipidemias
Controle do diabete melito
Evitar drogas que potencialmente elevem a pressão
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