Capítulo 1
Investigação clínico laboratorial e decisão terapêutica
Os principais objetivos da avaliação clínico
laboratorial estão apresentados no Quadro 2.
Quadro 2. Objetivos da investigação clínico
laboratorial.
- Confirmar a elevação da pressão arterial
- Avaliar lesões de órgãos-alvo
- Identificar fatores de risco para doenças cardiovasculares
- Diagnosticar a etiologia da hipertensão arterial
Para que esses objetivos sejam atingidos, são fundamentais
a história clínica, o exame físico e a avaliação
laboratorial, respeitando-se o princípio de custo/benefício.
História Clínica
São aspectos relevantes da história clínica:
1) Identificação: sexo, idade, raça e condição
socioeconômica.
2) História atual: duração conhecida da hipertensão
arterial e níveis de pressão arterial; adesão e reações
adversas a tratamentos prévios; sintomas de doença arterial
coronariana, insuficiência cardíaca, doença cerebrovascular,
insuficiência vascular arterial periférica, doença renal e
diabete melito; indícios de hipertensão secundária (Quadro
3).
3) Investigação sobre diversos aparelhos e fatores de risco:
dislipidemia, tabagismo, diabete melito, obesidade e
sedentarismo; alteração de peso; características do sono;
função sexual; e outras afecções concomitantes, como doença
pulmonar obstrutiva crônica e gota.
4) História pregressa de doença arterial coronariana,
insuficiência cardíaca, doença cerebrovascular, insuficiência
vascular arterial periférica, doença renal e diabete melito.
5) História familiar de acidente vascular encefálico, doença
arterial coronariana prematura (homens < 55 anos; mulheres
< 65 anos), doença renal, diabete melito, dislipidemia,
morte prematura e súbita.
6) Perfil psicossocial: fatores ambientais e psicossociais,
sintomas de depressão, situação familiar, condições de
trabalho e grau de escolaridade.
7) Avaliação dietética, incluindo consumo de sal, bebidas
alcoólicas, gordura saturada e cafeína.
8) Consumo de medicamentos ou drogas que possam elevar a pressão
arterial ou interferir em seu tratamento.
Quadro 3. Indícios de hipertensão secundária.
Início da hipertensão antes dos 30 ou após os 50 anos
Hipertensão arterial grave (estágio 3) e/ou resistente à
terapia
Tríade do feocromocitoma: palpitações, sudorese e cefaléia
em crises
Uso de medicamentos e drogas que possam elevar a pressão
arterial (Quadro 14)
Fácies ou biotipo de doença que cursa com hipertensão:
doença renal, hipertireoidismo, acromegalia, síndrome de
Cushing
Presença de massas ou sopros abdominais
Diminuição da amplitude ou retardo do pulso femoral
Aumento da creatinina sérica
Hipopotassemia espontânea (< 3,0 mEq/l)
Exame de urina anormal (proteinúria ou hematúria)
Exame Físico
Os ítens relacionados a seguir dever ser destacados no
exame físico:
1) Medida de peso e altura, para cálculo do índice de
massa corporal.
2) Inspeção: fácies e aspecto físico sugestivos de
hipertensão secundária (Quadro 3).
3) Sinais vitais: duas medidas da pressão arterial, separadas
por intervalo de pelo menos 2 minutos, com o paciente em posição
deitada ou sentada. Deve ser medida também a pressão após 2
minutos na posição em pé, nas situações especificadas
anteriormente. Verificar a pressão do braço contralateral;
caso as pressões sejam diferentes, considerar a mais elevada.
A freqüência cardíaca também deve ser medida.
4) Pescoço: palpação e ausculta das artérias carótidas,
verificação da presença de estase venosa e palpação de
tireóide.
5) Exame do precórdio: icto sugestivo de hipertrofia ou
dilatação do ventrículo esquerdo, arritmias, 3a bulha
(sinaliza disfunção sistólica do ventrículo esquerdo) ou
4a bulha (sinaliza presença de disfunção diastólica do
ventrículo esquerdo), hiperfonese de 2a bulha em foco aórtico,
além de sopros nos focos mitral e aórtico.
6) Exame do pulmão: ausculta de estertores, roncos e
sibilos.
7) Exame do abdome: massas abdominais indicativas de rins
policísticos, hidronefrose, tumores e aneurismas. Identificação
de sopros abdominais (aorta e artérias renais).
8) Extremidades: palpação de pulsos braquiais, radiais,
femorais, tibiais posteriores e pediosos. A diminuição da
amplitude ou o retardo do pulso das artérias femorais sugerem
doença obstrutiva ou coartação da aorta. Verificação de
edema.
9) Exame neurológico sumário.
10) Exame de fundo do olho: identificar estreitamento
arteriolar, cruzamentos arteriovenosos patológicos,
hemorragias, exsudatos e papiledema.
Avaliação Laboratorial
Avaliação básica
Os exames laboratoriais recomendados como básicos na
avaliação do hipertenso estão apresentados no Quadro 4.
Quadro 4. Avaliação laboratorial básica.
Exame de urina: bioquímica e sedimento
Creatinina
Potássio
Glicemia
Colesterol total
Eletrocardiograma de repouso
Avaliação complementar
De acordo com a indicação clínica, os exames
relacionados no Quadro 5 poderão fazer parte da avaliação
laboratorial complementar do paciente hipertenso.
Quadro 5. Avaliação laboratorial complementar.
Cardiovascular
Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial (MAPA —
vide capítulo 1 quanto a indicações)
Ecocardiograma
Radiografia de tórax
Teste de esforço (paciente com risco coronariano)
Bioquímica
HDL-colesterol (sempre que o colesterol total e a glicemia
estiverem elevados)
Triglicerídeos
Ácido úrico
Proteinúria de 24 horas
Hematócrito e hemoglobina
Cálcio
TSH
Os pacientes que apresentarem indícios de hipertensão
secundária (Quadro 3) ou de lesão em órgãos-alvo devem ser
investigados por meio de métodos específicos.
Decisão Terapêutica
A decisão terapêutica deve levar em conta, além dos
valores da pressão arterial, a presença ou não de lesões
em órgãos-alvo e de fatores de risco cardiovascular
associados. No Quadro 6 estão apresentados os componentes
para a estratificação do risco individual dos pacientes em
função da presença de fatores de risco e de lesão em órgãos-alvo.
Quadro 6. Componentes para a estratificação do risco
individual dos pacientes em função da presença de fatores
de risco e de lesão em órgãos-alvo.
Fatores de risco maiores
Tabagismo
Dislipidemia
Diabete melito
Idade acima de 60 anos
Sexo: homens ou mulheres pós-menopausa
História familiar de doença cardiovascular em:
mulheres com
menos de 65 anos de idade
homens com
menos de 55 anos de idade
Lesões em órgãos-alvo ou doenças cardiovasculares
Doenças cardíacas:
— hipertrofia ventricular esquerda;
— angina ou infarto prévio do miocárdio;
— revascularização miocárdica prévia;
— insuficiência cardíaca.
Episódio isquêmico ou acidente vascular encefálico
Nefropatia
Doença vascular arterial periférica
Retinopatia hipertensiva
Com base nessas informações, os pacientes podem ser
classificados em três grupos, descritos no Quadro 7.
Quadro 7. Estratificação em grupos, de acordo com o
fator de risco individual.
Grupo A — sem fatores de risco e sem lesões em órgãos-alvo
Grupo B — presença de fatores de risco (não incluindo
diabete melito) e sem lesão em órgãos-alvo
Grupo C — presença de lesão em órgãos-alvo, doença
cardiovascular clinicamente identificável e/ou diabete melito
A Tabela V apresenta a orientação terapêutica baseada na
estratificação do risco e nos níveis da pressão arterial.
As medidas de modificação de estilo de vida podem ser
recomendadas à população em geral, como forma de promoção
da saúde. Além disso, essas medidas devem ser instituídas
em todos os pacientes enquadrados na Tabela V. Todos os
pacientes com hipertensão arterial moderada e severa (estágios
2 e 3) devem receber tratamento medicamentoso inicial. O
tratamento medicamentoso também está indicado para os
pacientes hipertensos com lesão em órgãos-alvo, ou doença
cardiovascular, ou diabete melito, independentemente do estágio
da hipertensão arterial. Pacientes com valores de pressão
arterial enquadrados na faixa normal limítrofe mas
pertencentes ao grupo de risco C devem receber tratamento
medicamentoso caso apresentem insuficiência cardíaca,
insuficiência renal, ou diabete melito. Na hipertensão leve
(estágio 1), os pacientes enquadrados nos grupos de risco A e
B são elegíveis para ser tratados unicamente com modificações
no estilo de vida por 6 a 12 meses. Se, nesse período de
acompanhamento, a pressão arterial não for controlada, o
tratamento medicamentoso deverá ser considerado. A idade avançada
ou a presença de pressão sistólica elevada isoladamente não
alteram a decisão terapêutica.
Tabela V. Decisão terapêutica baseada na estratificação
do risco e nos níveis de pressão.
Tabela V. Decisão
terapêutica baseada na estratificação do risco e
mos níveis de pressão. |
Pressão
arterial |
Grupo A |
Grupo B |
Grupo C |
Normal limítrofe |
Modificações no |
Modificações no |
Modificações no |
(130-139 mrnHg/85-89 mmHg) |
estilo de vida |
estilo de vida |
estilo de vida* |
Hipertensão leve (estágio
1) |
Modificações no |
Modificações no |
Terapia |
(140-159 mmHg/90-99 mmHg) |
estilo de vida |
estilo de vida** |
medicamentosa |
|
(até 12 meses) |
(até 6 meses) |
|
Hipertensão moderada e
severa |
Terapia |
Terapia |
Terapia |
(estágios 2 e 3) |
medicamentosa |
medicamentosa |
medicamentosa |
( - 160 mmHg/> 100 mmHg) |
|
|
|
* Tratamento medicamentoso deve ser instituído na presença
de insuficiência cardíaca, insuficiência renal, ou diabete
melito.
** Pacientes com múltiplos fatores de risco podem ser
considerados para o tratamento medicamentoso inicial.
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